Título: PASSOU DO PONTO
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 14/03/2005, O País, p. 4

Pelo jeito, frigideira de metalúrgico não frita, derrete ¿ que o digam Humberto Costa, Aldo Rebelo, Amir Lando e outros. A demora de Lula em fechar o xadrez ministerial submete auxiliares leais a grandes constrangimentos, aumenta as pressões e permite que circule toda sorte de versões malucas sobre a reforma. Sem falar na paralisação de setores do governo, que começa a ficar visível.

A confusão chegou a um grau tal que até quem nunca esteve cogitado para sair se coloca de fora ¿ caso do ministro da Defesa e vice, José Alencar, que descobriu de repente não ter perfil para o cargo. No qual seria substituído, segundo rumores, por quem nunca pensou em entrar e só quer ver ali a filha: José Sarney. Nas listas de ¿degoláveis¿, os ministros da Saúde, da Coordenação Política e da Previdência, por sua vez, têm comido o pão que o diabo amassou.

Vão dizer que é tudo fofoca da imprensa. Vamos e convenhamos, quem anunciou a abertura oficial da temporada, semana retrasada, foi o presidente, por intermédio do líder Aloizio Mercadante, no Uruguai. Listas de demissíveis e ministeriáveis vinham sendo feitas e vazadas há meses em gabinetes da Esplanada, do Congresso e do Planalto. Sem pudores, a bancada do PT resolveu pedir a cabeça de Rebelo em praça pública. Lula colocou Dirceu, Mercadante e Palocci operando na linha de frente das conversas.

Então, nada disso é ficção. A reforma ministerial está mesmo acontecendo. Um velho filme cheio de cenas estranhíssimas:

MINISTRO OU ASSOMBRAÇÃO? Alguém entendeu alguma coisa sexta-feira, quando esperava o último capítulo de ¿Senhora do destino¿ e viu entrar em cadeia de rádio e TV um personagem que se apresentou como Humberto Costa, ministro da Saúde? Um dia antes, Costa era considerado carta fora do baralho em dez entre dez apostas na bolsa ministerial. Deprimido, desmarcou compromissos. Mas a intervenção federal na Saúde do Rio fez o sangue voltar a correr em suas veias. Assumiu o comando, veio ao Rio, bateu boca com César Maia. Para alguns, aproveitou bem a última chance e pode ficar. Raposas malvadas, porém, acham que não. A operação terá sido uma espécie de beijo da morte. Um presente do presidente para que o auxiliar, substituído por razões políticas, saia por cima da carne seca. De fato, se sair agora, ele sai bem. Quem pode não ficar bem, aos olhos do povão, é Lula: como é que demite o sujeito que veio resolver o problema dos hospitais?

LULA DEMORA A ENTREGAR O BILHETE AZUL. O comportamento de Lula confunde até os mais íntimos. Tem, reconhecidamente, uma tremenda dificuldade em demitir auxiliares, a quem se liga afetivamente. A lealdade não deixa de ser uma qualidade de caráter, mas a demora em concretizar decisões já tomadas prolonga a agonia. O presidente tem convocado os que estão a caminho do cadafalso para conversas de trabalho e não toca no assunto, aumentando a ansiedade dos ministros. Quinta-feira, por exemplo, a decisão de decretar calamidade na saúde do Rio foi tomada em almoço com Aldo Rebelo e Humberto Costa.

DE CORTAR O CORAÇÃO. Era a situação de Amir Lando, esta semana, ao ser saudado como ministro: ¿Ministro, que ministro? Desde outubro eu sei que não sou mais ministro¿. Isso é que é fairplay.

CHEGARAM PARA COMPLICAR. Quando se demora demais, complicadores surgem de onde menos se espera. Até o que está arrumado se desarruma. Zé Alencar, que Lula nem sonha em substituir, viu o clima de insegurança e jogou a Defesa na mesa. Severino Cavalcanti aproveitou a indecisão e botou mais um nome que o Planalto não quer no jogo: Ciro Nogueira.

O POVO DA FLORESTA EM CENA. A falta de solução na articulação política provoca alarmes falsos, e novos nomes surgem a cada dia. Lula adoraria trazer Jorge Viana, por exemplo. Mas este só entra no filme no segundo mandato.

SEM MENINOS SUPERPODEROSOS. Boa parte das dificuldades em fechar a equação devem-se ao fato de que Lula não quer construir um esquema com superministros que pareçam mandar mais do que ele. Não permitirá que José Dirceu volte a acumular coordenação de governo e articulação política. Ou uma, ou outra. E também dificilmente nomeará Paulo Bernardo, preferido de Palocci, para o Planejamento. Algo, porém, parece inevitável. Dirceu recupera o prestígio e, sejam quais forem os outros nomes, dessa reforma vai emergir novamente a dualidade que marcou os primeiros tempos do governo: Dirceu X Palocci.