Título: Nos hospitais, drama por atendimento continua
Autor: Alba Valéria Mendonça
Fonte: O Globo, 12/03/2005, Rio, p. 26

Falta de cadeira de rodas obriga dona-de-casa a carregar pai no colo pelos corredores do Hospital do Andaraí

O que era para ser apenas mais uma consulta de rotina no Hospital do Andaraí transformou-se ontem numa exemplo da calamidade pública na saúde do Rio. Com a perna direita amputada há três semanas, o aposentado Reginaldo Joaquim da Silva, de 54 anos, tinha uma revisão marcada para às 8h. Foi levado de carro, de Belford Roxo, pela filha e pelo genro. Ao chegar no Andaraí, porém, a distância que separava a portaria do prédio do consultório, no quarto andar, revelou-se mais difícil que os 38 quilômetros que separam as duas cidades: não havia cadeira de rodas para transportar o aposentado.

"Cheguei às 5h e ainda não fui atendida"

Depois de esperar por cerca de meia hora e procurar em vários andares do hospital, a filha de Reginaldo, a dona-de-casa Regina Célia da Silva Carvalho, de 26 anos, tomou uma atitude de desespero. Ela tirou o pai do carro no colo e o levou nos braços até o local onde ele seria atendido. Segundo ela, nenhum funcionário se ofereceu para ajudá-la.

- O que eu podia fazer se não tinha cadeira de rodas? Entrei com ele no elevador e ainda andei até a sala do médico. Meu pai ficou internado aqui dois meses, o hospital tem bons profissionais, mas faltam recursos - disse Regina que, às 10h, ainda esperava pelo médico.

No Hospital Souza Aguiar, a fila na porta do pronto-socorro não deixava dúvidas da necessidade de melhoria no sistema de saúde do Rio.

- Cheguei às 5h e ainda não fui atendida. É sempre assim e acho difícil melhorar com essa intervenção - reclamava Regina Araujo, de 57 anos, que às 8h30m ainda aguardava a chegada dos médicos.

Quando Regina chegou na fila, pelo menos 20 pessoas já aguardavam atendimento. A triagem dos pacientes, feita por uma enfermeira, que deveria começar às 8h, só começou 40 minutos depois.

- Hoje não chegou ninguém ainda. Será que estão pensando que o horário de trabalho mudou? - comentou um vigilante, que tentava acalmar os pacientes.

Regina, moradora de Santa Cruz da Serra, há dois dias tem sangramentos pelo nariz. Sua primeira tentativa de atendimento médico foi no Hospital de Saracuruna:

- Como lá não tem otorrino, o médico apenas fez um curativo e mandou que eu viesse para o Souza Aguiar. Mas disse para eu não contar que tinha sido atendida em outro hospital. Caso contrário, os médicos daqui não me atenderiam - disse.

Com dores no tórax, Eva Maria Oliveira chegou às 6h acreditando que seria uma das primeiras a serem atendidas. Moradora do Catumbi, ela estava quase desistindo quando a enfermeira responsável pela triagem finalmente chegou:

- Os hospitais do SUS são uma vergonha. Tem sempre fila, não adiante chegar cedo.

Ao seu lado, o porteiro Norberto dos Santos, de 64 anos, comentava a intervenção dos hospitais municipais:

- Já estive em vários hospitais e não consigo resolver o meu problema. Para pôr ordem nessa bagunça, seria necessário trocar toda essa gente que faz pouco caso das pessoas que precisam de ajuda.

Servidores dos hospitaos esperam receber atrasados

Vigilantes e maqueiros do Hospital Souza Aguiar, que não recebem salário desde janeiro, comemoravam a interdição do governo federal, mas com cautela:

- Do jeito que está não é possível continuar. Espero que agora pelo menos paguem o meu salário - comentou um vigilante.

O feirante Gerson de Souza cumpria ontem sua segunda maratona dentro do Souza Aguiar. Com um corte na vista, Gerson tentava ser medicado.

- Ontem (anteontem), cheguei aqui às 10h e só fui embora às 18h. Hoje cheguei mais cedo, às 7h, para tentar ser atendido - contou ele, que mora em Campo Grande, mas não conseguiu atendimento no Hospital Rocha Faria. - Lá não tem oftalmologista.