Título: MIGUEL COUTO: PACIENTES SEM REMÉDIO E MÉDICOS
Autor: Alba Valéria Mendonça
Fonte: O Globo, 12/03/2005, Rio, p. 26

Hipertenso aguarda 19 horas na fila por atendimento e dona de casa tenta operar desde novembro

A intervenção do Ministério da Saúde nos hospitais do Rio reacendeu a esperança de dias melhores para o desempregado Alberto Mascarenhas, que passou 19 horas sentado numa cadeira da emergência do Hospital Miguel Couto até ser liberado. O moçambicano, morador do Flamengo, que chegara às 12h de anteontem à unidade com crise de pressão alta, só foi liberado ontem às 9h, depois enfrentar todo tipo de problemas: falta de medicamentos e de material para exames, além da ausência de médicos. Se não fosse pela companhia da ex-mulher, Vânia da Silva, provavelmente ainda estaria no hospital.

Como não havia material de coleta para exames de urina e o hospital também não dispunha dos medicamentos de que precisava para controlar a pressão, Vânia foi à rua e comprou tudo. Após quatro horas esperando pelo resultado, Mascarenhas descobriu que o laboratório não processava aquele tipo de exame. O material foi mandado a outra unidade:

- Isso aqui é deprimente. Ficamos aguardando o médico com o resultado dos exames. Enquanto isso, a emergência foi enchendo. Tinha gente sentada do chão, pois não havia vagas para internação. Ficamos no corredor, que tem um mau cheiro insuportável. De vez em quando Gil tinha de ceder a cadeira para alguém que estava no soro. Às 3h não havia médicos ou enfermeiros. O médico só apareceu para liberá-lo depois das 8h - relatou Vânia.

Já o que preocupa a auxiliar de enfermagem Dagmar Lúcia Firmino é a possibilidade de fechamento do ambulatório de clínica médica. Na segunda-feira, ela tentou marcar consulta para o marido diabético e não conseguiu. Informaram que o ambulatório iria fechar para ampliar a emergência. Moradora de Nova Iguaçu, Dagmar contou ainda que alguns recepcionistas e médicos estão exigindo comprovante de residência:

- Eles pedem conta de luz. Quem é da Baixada, está sendo encaminhado para hospitais de lá. Só que entrar na Posse é morte certa. Lá não tem nada, nem médico, nem remédios. Para fazer o tratamento na cardiologia digo que moro em Vila Isabel, com meu tio, que também se trata aqui.

A dona-de-casa Ana Lúcia de Souza, que quebrou o pé direito em novembro, até hoje aguarda para marcar uma cirurgia. Primeiro, teve de esperar 30 dias para conseguir marcar um exame de raio-x. Agora, os médicos informaram que ela vai ter de refazer tudo, pois perderam a sua ficha no hospital.

- Vou ter que voltar na segunda-feira que vem para tentar marcar uma consulta e ver se os médicos acharam a minha ficha. Se não encontrarem vou ter de começar o tratamento todo outra vez - disse.