Título: GOVERNO BUSH `PLANTA¿ REPORTAGENS EM TV LOCAIS
Autor: David Barstow e Robin Stein
Fonte: O Globo, 14/03/2005, O Mundo, p. 23

Falso jornalismo, feito por agências contratadas por ministérios, elogia ações oficiais em questões como Iraque

NOVA YORK. ¿Obrigado, Bush. Obrigado, EUA¿, disse um esfuziante iraquiano-americano a uma equipe de TV em Kansas City, em uma reportagem sobre a reação após a tomada de Bagdá. Em outro segmento, mais um ¿sucesso¿ da gestão Bush em sua campanha pelo fortalecimento da indústria aérea americana. Um terceiro descrevia a determinação do governo no sentido de aumentar o mercado para os fazendeiros do país.

Para o telespectador, cada reportagem parecia um trecho normal de 90 segundos do noticiário local, mas, na verdade, as três foram produzidas pelo governo. A de Kansas City foi encomendada pelo Departamento de Estado.

O ¿repórter¿ que cobre o setor de aviação civil era na verdade um profissional de relações públicas trabalhando com nome falso para o Departamento de Segurança nos Transportes. A reportagem sobre agricultura foi produzida pela secretaria de comunicação do ministério competente. Esta prática também foi utilizada no governo Bill Clinton.

Prática é comum nas relações públicas

Na administração Bush, o governo federal americano tem usado agressivamente uma ferramenta típica de relações públicas: notícias previamente preparadas, prontas para servir, que grandes corporações há anos distribuem a emissoras de TV para propagandear tudo, de remédios para dor de cabeça a seguros para automóveis. Ao todo, pelo menos 20 agências federais, como o Departamento de Defesa e o escritório responsável pelo censo, produziram e distribuíram centenas de reportagens de TV nos últimos quatro anos. Muitas foram veiculadas em emissoras locais por todo o país sem qualquer menção ao papel do governo em sua produção.

Nos últimos meses, a Casa Branca tem sido chacoalhada pela notícia de que jornalistas aceitaram dinheiro do governo para escrever editoriais de apoio a ações governamentais. Além disso, o governo tem feito esforços inéditos ¿ e mais invasivos ¿ para gerar notícias positivas na imprensa. Ao mesmo tempo, pesquisas indicam um alto índice de cumplicidade ou negligência por parte das emissoras de TV, não obedecendo à ética do setor, que não incentiva a veiculação de notícias pré-concebidas sem que sua fonte seja revelada.

As agências federais não negam a origem das reportagens, mas estas são preparadas para ser encaixadas nos noticiários sem chamar a atenção. Na maior parte dos casos, os ¿repórteres¿ têm o cuidado de não dizer para quem trabalham, além de produzir reportagens sem apelo ideológico. Em vez disso, o aparato governamental que fabrica as notícias produziu uma seqüência de reportagens que descrevem um governo atento e generoso com a população.

Iraque e sistema de saúde são temas importantes

Algumas delas são produzidas para dar apoio às políticas mais caras ao governo, como a mudança de regime no Iraque e a reforma do sistema de saúde. Outras concentram-se em assuntos menos polêmicos, como os esforços do governo para oferecer aulas extras grátis aos estudantes, a campanha contra a obesidade infantil, as iniciativas para preservar florestas e mangues e até as ações contra vírus de computador e motoristas bêbados nos feriados.

Freqüentemente, elas trazem ¿entrevistas¿ com executivos dos órgãos em questão, que são roteirizadas e ensaiadas antes. Quaisquer críticas, sinais de má administração, desperdício ou controvérsia são cuidadosamente evitados.

Algumas das reportagens foram veiculadas nos maiores mercados televisivos dos EUA, como Nova York, Los Angeles, Chicago, Dallas e Atlanta.

É um mundo em que todos os participantes saem ganhando: as pequenas emissoras são poupadas das despesas decorrentes da apuração e produção de material original. As agências de relações públicas conseguem acordos de milhões de dólares com o governo. As grandes redes de comunicação, que ajudam a distribuir os segmentos, cobram uma taxa das agências governamentais que as produzem e outra das pequenas emissoras que as veiculam. O governo, claro, passa ao público uma mensagem sem qualquer filtro, como se fosse uma reportagem de verdade.

Publicamente, Bush tem pedido uma demarcação mais nítida entre jornalismo e publicidade em seu governo.