Título: CRISE NA SAÚDE
Autor: Maria Elisa Alves e Ruben Berta
Fonte: O Globo, 15/03/2005, Rio, p. 12

Uma pedra no caminho

Prefeito exonera 51 de cargos de confiança em hospitais, mas Justiça suspende decreto

Um decreto publicado ontem pelo prefeito Cesar Maia no Diário Oficial mostrou que será árduo o caminho a ser percorrido pelo governo federal, que decidiu intervir em seis hospitais do Rio na quinta-feira passada. Cinqüenta e um servidores que exerciam cargos de confiança em quatro das seis unidades sob intervenção ¿ hospitais da Lagoa, do Andaraí, de Ipanema e Cardoso Fontes ¿ foram exonerados pelo prefeito. À noite, a 14ª Vara Federal concedeu liminar a uma ação cautelar movida pelo Ministério da Saúde, suspendendo o decreto.

A exoneração em massa não foi a única tentativa de tumultuar o processo de recuperação da rede municipal de saúde. Segundo o médico Sérgio Côrtes, que coordena a intervenção, servidores municipais, segundo ele orientados pela prefeitura, teriam tentado desconectar o sistema de informática dos hospitais, com dados sobre a grade de medicamentos e as despesas das unidades.

¿ Havia uma orientação para que os funcionários do setor de informática desligassem a rede. Identificamos esse problema nos hospitais da Lagoa, de Ipanema e no Souza Aguiar. Os computadores só não foram desligados porque ameaçamos chamar a Polícia Federal ¿ afirmou Côrtes.

A liminar concedida à noite também impede que o prefeito cancele contratos de serviços (luz, informática e outros) enquanto durar a intervenção.

Prefeito diz que estava ajudando

Cesar Maia justificou a exoneração dizendo que estava colaborando com a União:

¿ É um princípio da administração pública de que a linha das funções de confiança não pode ser afetada por quem não teve a responsabilidade oficial de nomear. Com estes atos, estou dando uma enorme colaboração na devolução dos hospitais federais, de forma a que sejam geridos plenamente pelas autoridades constituintes deles. É um reconhecimento da prefeitura da boa iniciativa tomada pelo Ministério da Saúde ao retomar os seus hospitais.

Mas o ministro da Saúde, Humberto Costa, não viu a medida do prefeito com bons olhos. Ele classificou a exoneração como uma tentativa do município de dificultar o processo de recuperação da rede, que começou com mutirões durante o fim de semana. A reação federal foi dada à tarde.

¿ Essa atitude do prefeito vai criar para nós uma enorme dificuldade. O ministério não dispõe de cargos para fazer a reposição dessas pessoas. São profissionais que estão há um bom tempo à frente dos hospitais, conhecem o seu funcionamento e, em sua maioria, têm colaborado bastante com o governo federal. Naturalmente, o ministério não esperava colaboração, mas a criação de dificuldades era algo impensável ¿ disse Costa.

¿ Quando já estamos no meio de um furacão, o prefeito ainda nos joga uma tsunami ¿ comparou Côrtes.

Antes da liminar, o diretor do Departamento de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, Arthur Chioro, disse que a exoneração dos funcionários poderia dificultar o trabalho dos auditores.

Segundo o secretário municipal de Saúde, Ronaldo Cezar Coelho, não há motivos para o governo federal reclamar das exonerações. Ele disse que os servidores continuam trabalhando nos hospitais:

¿ Os diretores exonerados são servidores federais. Se o ministério quiser, é só nomeá-los de novo.

Ronaldo negou que tenha havido orientação ou tentativa de desligar a rede de computadores dos hospitais. Segundo ele, o que houve foi a retirada do site do Hospital da Lagoa do ar, no fim de semana:

¿ O site do hospital estava hospedado no servidor da prefeitura. Mas mudaram tudo, puseram o logotipo do Ministério da Saúde no lugar do da prefeitura e passaram a criticar a Secretaria municipal de Saúde. Se quiserem caluniar a secretaria, que façam isso em site hospedado pelo ministério.

O secretário disse ontem que quer devolver para o ministério mais quatro hospitais: o da Piedade, o Nise da Silveira, o da Colônia Juliano Moreira e o Philippe Pinel.

¿ Não adianta levaram só seis hospitais, três deles na Zona Sul. Quero ver assumirem tudo o que é federal ¿ disse.

A guerra entre a prefeitura e o ministério ainda pode ser sentida pela população. Ontem, o ministro Humberto Costa elogiou o esforço dos profissionais que têm participado do mutirão, mas pediu paciência à população que procura a rede de saúde do município. Segundo ele, ainda pode levar de 15 a 20 dias para que as unidades voltem a ter seus serviços totalmente normalizados. Para uma solução definitiva, no entanto, ele admitiu ainda depender da prefeitura:

¿ Se não houver investimento na rede básica, nos postos, as emergências continuarão superlotadas. A prefeitura só gastou 2% dos recursos do ministério no programa de ampliação do Saúde da Família. Estamos tentando melhorar a situação, mas é fundamental que o município colabore.

Ontem o ministro esteve na Base Aérea do Galeão para receber as 16,4 toneladas de medicamentos que chegaram de Brasília para reforçar o estoque no Rio. São remédios diversos como antibióticos e antiinflamatórios que ficarão armazenados na Fiocruz para o suporte das unidades administradas pelo governo federal. Os medicamentos foram trazidos do almoxarifado do ministério em Brasília e de um hospital federal do Rio Grande do Sul. A medida foi criticada por Ronaldo Cezar:

¿ Tem coisa mais tola do que avião de remédios, o show do avião? Manda os medicamentos para a selva, para os índios. Aqui tem distribuidores de medicamentos enormes, no Rio e em São Paulo. Chegariam remédios ao hospital em quatro horas.