Título: CRISE NA SAÚDE: MULHER ABORDA GESTOR E É ATENDIDA AO SUPLICAR POR TRATAMENTO PARA A IRMÃ, QUE PRECISA DE CIRURGIA
Autor: Taís Mendes
Fonte: O Globo, 15/03/2005, Rio, p. 14

Médicos receitam em papel de pão

Quarenta dos 50 contratos com fornecedores do Hospital Souza Aguiar estão vencidos

Após 48 horas de intervenção no Hospital Souza Aguiar, o médico e gestor Roberto José Bittencourt classificou a situação da unidade como de calamidade pública. De acordo com ele, a maior emergência da América Latina chegou ao colapso: dos 50 contratos com fornecedores de insumos, 40 já venceram e não foram renovados. Com isto, o hospital está desabastecido de medicamentos e parte de seus equipamentos está quebrada ou sem manutenção. A transferência nos últimos dois dias de 25 pacientes em estado grave, que ocupavam leitos na emergência, abriu vaga para novos doentes, mas não resolveu a fila extensa que todos os dias se forma na porta do pronto-socorro.

¿ A situação é bem pior do que imaginávamos. Para se ter uma idéia, os médicos estavam fazendo prescrições em papel de pão porque não há material gráfico no hospital ¿ disse Bittencourt.

Apenas uma sala de cirurgias funciona

Segundo o gestor, das seis salas de cirurgias existentes na unidade, apenas uma funciona. Dos seis aparelhos de raios X, também somente um está operando.

¿ E o abastecimento de medicamentos era semanal, o que não atende à necessidade de um hospital desse porte ¿ comentou Bittencourt.

A intervenção no Hospital Souza Aguiar já começa a surtir efeito para alguns pacientes que procuravam em vão por um tratamento. A primeira resposta foi negativa, mas a presença do gestor da unidade ontem no pátio da emergência garantiu a Katina Tereza Ribeiro um leito no hospital. Atropelada por um ônibus em 6 de dezembro passado, em Caxias, Katina necessita de uma cirurgia de enxerto de pele na região glútea, mas não obteve o tratamento nos três hospitais que já percorreu. Desesperada com mais uma porta que se fechou, sua irmã, Kilda Venturine, abordou o médico Roberto José Bittencourt, interventor da unidade, e suplicou por ajuda.

¿ Não sei mais a quem recorrer. Já estive na Santa Casa e esta é a segunda vez que venho aqui, mas não consigo resolver a situação ¿ disse ela, chorando.

Imediatamente o médico determinou a internação, mas só até amanhã, quando a paciente deverá ser transferida para uma unidade especializada. Kilda contou que após dois meses de internação numa clínica particular de Caxias, financiada pela empresa do ônibus que a atropelou, sua irmã foi encaminhada para a Santa Casa, que a encaminhou para o Souza Aguiar. A primeira tentativa no Souza Aguiar foi na quarta-feira passada, mas as irmãs também deixaram a unidade sem uma solução.

O drama é o mesmo de tantas outras pessoas que ontem aguardavam um atendimento no Miguel Couto. Sob intervenção do Ministério da Saúde, o hospital encontra-se em uma situação um pouco melhor do que a do Souza Aguiar, segundo a gestora Maria Leonor de Barros Ribeiro, mas também enfrenta dificuldades com o baixo estoque de medicamentos e equipamentos quebrados.

¿ Recebemos um reforço de medicamentos suficiente para uma semana, mas já fizemos um levantamento para uma compra maior. Conseguimos, também, transferir 17 pacientes e isso agilizou o atendimento ¿ disse a médica.

Miguel Couto precisa de mais médicos

Acabar com a fila na emergência também é uma das metas da gestora do Miguel Couto. A partir de hoje, o Serviço de Pronto Atendimento (SPA), que até então funcionava ao lado da emergência, será transferido para outra área, no prédio da administração:

¿ Vamos levar esses pacientes para uma área melhor e deixar a entrada da emergência apenas para os casos de risco de morte ¿ disse Maria Leonor, anunciando que hoje chegará ao hospital um grupo de humanização do Ministério da Saúde para fazer uma triagem dos pacientes da SPA.

Além do baixo estoque de medicamento, o Miguel Couto tem um déficit de profissionais. Segundo Maria Leonor, há a necessidade de contratar pelo menos oito clínicos, seis pediatras e dois anestesistas.

Para regularizar o mais rapidamente possível a situação do Hospital da Lagoa, o Instituto Nacional de Câncer transferiu ontem medicamentos para a unidade. Soro, antibióticos e quimioterápicos foram transportados para a Lagoa. No sábado, materiais e roupas já tinham sido enviados para reabastecer a unidade.