Título: DALAI LAMA RECONHECE QUE TIBETE É DA CHINA
Autor: Gilberto Scofield Jr.
Fonte: O Globo, 15/03/2005, O Mundo, p. 34

Líder religioso abandona reivindicação de independência e pede maior participação no progresso chinês

Numa reviravolta surpreendente em suas convicções políticas e na luta pela independência do Tibete ¿ que lidera desde 1959, quando fugiu do país perseguido pela República Popular da China e se exilou em Dharamsala, no norte da Índia ¿ o Dalai Lama, maior líder religioso tibetano, afirmou estar preparado para abrir mão de seus ideais separatistas em nome de uma maior participação do Tibete no processo de crescimento econômico acelerado chinês.

Em entrevista ao jornal de Hong Kong ¿South China Morning Post¿ ¿ que não teve qualquer repercussão na mídia do continente ¿ o Dalai Lama disse que abre mão de sua luta pela independência do Tibete em troca dos benefícios dos investimentos chineses na região. O país foi invadido em 1950 pela China e sofreu uma violenta repressão com mais de três mil mortos na revolta de 1959.

¿ Nós queremos a modernização. Então, para nosso interesse, estamos dispostos a fazer parte da República Popular da China, ter um governo comandado pelo Partido Comunista, em troca da garantia de preservação da cultura e espiritualidade tibetanas, bem como do meio ambiente ¿ afirmou o Dalai Lama ao jornal de Hong Kong.

¿Não sou a favor do separatismo¿, disse o Dalai

As declarações do Dalai Lama surpreenderam seus seguidores em todo o mundo por conta de um tom pragmático nunca antes adotado:

¿ Esta é a mensagem que eu quero dar à China. Não sou a favor do separatismo. O Tibete é parte da República Popular da China. É uma região autônoma do país. A cultura tibetana e o budismo são parte da cultura chinesa ¿ disse o líder.

As declarações foram consideradas por especialistas da região uma aceitação do status quo do Tibete como parte da China, antes negado pelo Dalai. O líder disse que, ¿em nome de um interesse maior¿ na questão tibetana, defende participação mais efetiva do Tibete no processo de crescimento chinês.

Ainda que tenha citado a União Européia como exemplo de nova realidade mundial, em que interesses individuais são substituídos por integração, sua mudança de abordagem sobre a questão tibetana foi vista por muitos como uma reação ao racha dentro do grupo que se exilou com o Dalai Lama em 1959, cerca de 80 mil pessoas.

Este grupo se divide hoje em duas correntes: os moderados, que adotam uma postura pragmática e pregam uma aproximação com a China para o benefício da população tibetana por meio de uma participação maior no crescimento econômico do país; e os radicais, que brigam pela independência do Tibete. Até então, o Dalai Lama adotava uma política a meio caminho dos dois grupos, ou seja, queria mais autonomia para a região, algo como Hong Kong, que mantém um sistema eleitoral para escolha de seus governantes.

Curiosamente, o ¿South China Morning Post¿ também publicou uma entrevista com o Panchen Lama ¿ o antigo líder espiritual do Tibete ocidental, subordinado hierarquicamente ao Dalai Lama ¿ em que o jovem de 14 anos pede aos tibetanos da diáspora que contribuam para o desenvolvimento do Tibete da forma mais adequada. O Panchen é escolhido por Pequim para servir como líder espiritual, na falta do Dalai.