Título: Perdão retroativo
Autor: Martha Beck
Fonte: O Globo, 16/03/2005, O País, p. 3

Lula editou MP que abre exceções na Lei Fiscal e beneficia a ex-prefeita Marta Suplicy

O governo aproveitou a Medida Provisória 237 sobre créditos para exportação, de 27 de janeiro passado, para incluir um artigo que criou exceções na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e beneficiou a ex-prefeita Marta Suplicy, do PT. Pelo artigo nono do texto, qualquer município, até mesmo o que ultrapassar sua capacidade de endividamento prevista na LRF, poderá contratar recursos do Programa de Iluminação Pública Eficiente (Reluz), do Ministério de Minas e Energia. A medida, ignorada pela maioria dos líderes partidários no Congresso, provocou polêmica ontem no Senado. Sem a MP, Marta poderia ser condenada a até dois anos de reclusão por descumprir a Lei Fiscal.

A MP solucionou o problema da Prefeitura de São Paulo porque Marta, como prefeita, contratou o Reluz sem autorização prévia do Ministério da Fazenda, mesmo tendo ultrapassado seu limite de endividamento. Cerca de 20 municípios, inclusive Rio de Janeiro, Salvador e Campinas, também serão beneficiados pela MP, pois contrataram o Reluz nas mesmas condições da prefeitura paulistana, segundo o Ministério da Fazenda.

O programa Reluz prevê o repasse de recursos do Ministério de Minas e Energia para a troca de lâmpadas de alto consumo de energia por lâmpadas de baixo consumo. O secretário do Tesouro, Joaquim Levy, argumentou ontem que projetos de iluminação pública devem ser considerados investimentos e não um gasto, contabilizado como dívida:

¿ Essas operações não são muito grandes e têm um efeito importante não só para os municípios, mas também para as distribuidoras de energia porque reduzem os gastos e as contas de luz. É um investimento.

`Talvez tenhamos tenha sido rigorosos¿

O secretário afirmou que o Ministério da Fazenda comunicou ao Senado Federal sobre o descumprimento da LRF por parte de São Paulo para seguir as regras da legislação vigente. Ele explicou que só houve ofício ao Congresso sobre São Paulo porque apenas Marta comunicou as operações ao Tesouro:

¿ Talvez tenhamos sido rigorosos com São Paulo.

Levy informou que pelo menos 20 municípios descumpriram a LRF ao contratar recursos do Reluz. Essas prefeituras também estavam impedidas de fazer operações de crédito porque já haviam ultrapassado o limite de endividamento previsto na LRF ¿ de 1,2 vez (ou 120%) a receita líquida.

Levy disse que, além das 20 prefeituras já identificadas, outros casos ainda podem ser detectados. Ele ressaltou que os municípios só estarão respeitando a legislação depois que informarem ao Tesouro sobre seus casos específicos. O secretário também admitiu que outras prefeituras podem estar descumprindo a LRF em outros programas além do Reluz:

¿ A onisciência do Tesouro não é fato totalmente documentado. Podem existir ocasiões em que os municípios estejam infringindo a lei.

No entanto, Levy afirmou que o Tesouro está vigilante e tem um controle rígido das operações feitas com o sistema financeiro para concessão de empréstimos ao setor público.

A MP 237 traz uma série de regras para a relação entre União e estados e municípios, inclusive o ressarcimento por perdas dos governos locais com a desoneração das exportações. No que se refere ao Reluz, a MP é retroativa a junho de 2000, quando o programa foi criado. O que significa que as prefeituras que contrataram o Reluz, mesmo sem capacidade de endividamento, não estão ferindo a lei. A regra vale para os 180 municípios que renegociaram suas dívidas com a União.