Título: PARTIDOS DE ESQUERDA SE DESLOCAM PARA O CENTRO
Autor: Ricardo Galhardo
Fonte: O Globo, 15/03/2005, Democracia 20 anos, p. 2

Ironia do destino. Durante 20 anos de ditadura os movimentos e partidos de esquerda resistiram heroicamente à repressão dos militares. Com a chegada da democracia e o conseqüente fim da clandestinidade, a esquerda brasileira abrandou o discurso, relegou bandeiras históricas e movimentou-se em direção ao centro.

Especialistas se dividem quanto às causas da mudança: pragmatismo eleitoral, restrições econômicas, conjuntura internacional, mudanças internas, a crise ideológica causada pelo fim da União Soviética, entre outros. Mas são unânimes ao dizer que os limites entre esquerda e direita no Brasil são cada vez menos nítidos.

Neste balaio, põem lado a lado PT, PCdoB, PPS, PDT, PMDB e PSDB. O partido do governo é apontado como o caso mais visível. Tido durante duas décadas como o principal agrupamento de esquerda do país, único com fortes raízes sociais e comandado por um ex-operário, o PT quebra a cabeça para incluir em seu governo o PP, o PMDB, o PTB e o PL.

O PCdoB segue o mesmo caminho e não lembra em quase nada o partido que promoveu a guerrilha do Araguaia na década de 70. No PPS a mudança fica explícita no próprio nome que até o início da década de 90 era Partido Comunista Brasileiro.

O PMDB, que agrupou toda a esquerda não-clandestina na ditadura, hoje é um colegiado de caciques.

¿ Já o PSDB é um caso de falsificação ideológica que se intitula social-democrata sem nunca ter sido ¿ define o sociólogo ex-petista Francisco de Oliveira, da USP.

Segundo o cientista político Gildo Marçal Brandão, também da USP, o principal motivo do movimento da esquerda rumo ao centro é eleitoral.

¿ Seja de direita ou de esquerda, um partido só consegue ganhar se capturar os eleitores do centro. Por um motivo simples: a maioria do eleitorado não é de esquerda nem de direita ¿ diz Brandão. ¿ A democracia eleitoral implica um pouco isso.

O filósofo tucano José Arthur Giannotti, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), aponta outros dois motivos: as mudanças ocorridas no próprio capitalismo a partir da globalização econômica e o predomínio de uma visão pragmática das ações de governo em detrimento da utopia esquerdista convencional.

¿ É positivo isso. A gente passa a lidar com os problemas de uma maneira mais rente ao chão e não com uma perspectiva social que não existe mais ¿ disse.

O presidente do PT, José Genoino, ex-guerrilheiro do Araguaia e ex-militante do PCdoB, diz que não adianta tentar enquadrar o PT na matriz heterodoxa européia.

¿ O PT nasceu nos anos 80 durante uma crise da esquerda mundial e sempre quis radicalizar o processo democrático. Dizer que o PT foi para o centro é no mínimo simplificar. O PT amadureceu como partido de esquerda sem ir para o centro ¿ diz Genoino.

Para ele, os valores da esquerda atual são a igualdade e a fraternidade e não o estatismo ou a ditadura do proletariado.