Título: Vinte anos de avanços institucionais
Autor: Jairo Nicolau
Fonte: O Globo, 15/03/2005, Democracia 20 anos, p. 3

O Brasil é uma das mais estáveis das novas democracias

A política brasileira mudou muito nestes vinte anos que se seguiram àquele angustiante 15 de março de 1985 ¿ quando esperávamos ver Tancredo Neves assumir a Presidência da República. Quem imaginava assistir o PT ¿ partido que acabara de afastar três dos oito deputados federais da bancada ¿ como o maior partido na Câmara em 2005? Quem sonhava em assistir um presidente eleito ser afastado sem produzir nenhuma grave crise institucional? Quem podia pensar que as graves crises sociais e econômicas que o país atravessaria pouco tormento trariam para a vida política?

O sistema representativo brasileiro passou por profundas mudanças. Os analfabetos asseguraram, pela primeira vez na história republicana, o direito de voto. As instituições eleitorais foram aperfeiçoadas, com a criação do cadastro informatizado de eleitores e da urna eletrônica. O calendário eleitoral foi estabelecido com eleições regulares a cada dois anos; nesses vinte anos, os brasileiros foram às urnas em doze eleições e um plebiscito. Uma nova Constituição foi elaborada e o Congresso ficou aberto de forma interrupta desde a volta do país à democracia. Os militares saíram da cena política sem grandes transtornos. O último ¿teste de carga¿ foi a vitória do PT em 2004, desafio que também foi superado sem grandes sobressaltos. Não é exagero dizer que o Brasil é hoje uma das mais estáveis entre as novas democracias.

Estudos mostram que o Legislativo foi extremamente produtivo nesses vinte anos: uma Constituição, dezenas de emendas constitucionais, novos códigos, comissões parlamentares de inquérito e milhares de projetos legislativos analisados. Essa avaliação positiva da democracia e do Congresso no Brasil, não significa que alguns aspectos do sistema político não possam ser aperfeiçoados.

Particularmente, creio que temos que enfrentar dois desafios nos próximos anos. O primeiro é fortalecer os vínculos entre os partidos e os eleitores, que foi enfraquecido, sobretudo, por conta das trocas de legenda. A migração partidária é uma marca desses vinte anos. O que pode ser um benefício para um político individualmente tem produzido efeitos negativos no agregado. O principal deles é o desprezo pelo voto dos eleitores, que vão às urnas, fazem suas opções e vêem suas preferências partidárias serem modificadas segundo a conveniência dos políticos. Para ficar em um único exemplo: o eleitorado decidiu, nas eleições de 2004, que o PSDB deveria ter uma bancada de 71 deputados e o PTB 26; hoje as trocas fizeram com que estes dois partidos tivessem praticamente o mesmo tamanho: PSDB com 51 deputados, PTB, com 49.

O segundo desafio é aperfeiçoar o sistema de financiamento das campanhas eleitorais, raiz de grandes escândalos no Brasil. Nossas campanhas são caras, dependentes quase exclusivamente de recursos de empresas e fontes de corrupção que deixam marcas nos governos. Sempre resta a suspeita de que os governantes implementam certas políticas para beneficiar grupos econômicos, seja como forma de retribuir benefícios passados, seja como forma de assegurar recursos futuros.

Mas o mais importante, o que não deve ser perdido de vista, é o orgulho pelo tanto que avançamos em termos institucionais nesses vinte anos: nossas eleições regulares, competitivas e com baixa incidência de fraudes; o direito de voto estendido para quase todos os adultos; as liberdades públicas asseguradas. Tudo isso em doses não conhecidas em nossa história política.

JAIRO NICOLAU é cientista político do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e tinha 20 anos quando o Brasil voltou à democracia