Título: ALTOS E BAIXOS NA GUERRA CONTRA A IMPUNIDADE
Autor: Soraya Aggege
Fonte: O Globo, 15/03/2005, Democracia 20 anos, p. 4

Escândalos de corrupção, com assaltos aos cofres públicos, não faltaram nos últimos 20 anos. Graças à transparência trazida pela democracia e à pressão dos brasileiros, um presidente acusado de corrupção foi destituído e o grupo de deputados chamados de anões do Orçamento foi cassado por irregularidades. Também o Senado cortou na própria carne. Mas a impunidade em casos de corrupção ainda é uma das mazelas do país. Exemplo disso é o caso do juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto. Mesmo condenado, está ¿tecnicamente solto¿ em sua mansão, como dizem os promotores que investigaram o desvio de verbas públicas para a construção do fórum trabalhista em São Paulo.

¿ Mesmo com a prisão decretada até 2008, Nicolau está tecnicamente solto. A PF não tem supervisionado a prisão por falta de efetivo. O que foi símbolo da Justiça, virou ícone da impunidade ¿ diz a procuradora da República Janice Ascari.

Na mansão de número 183 da Rua Amariles, em Cidade Jardim, onde Nicolau vive, a Polícia Federal não pode entrar, por força de uma determinação judicial obtida por Nicolau. Deveria manter policiais do lado de fora. Mas diante da casa e nas imediações não há sinal da PF. Um vigia da rua disse que "de vez em quando" aparece um policial e fica algumas horas na porta do juiz, mas não diariamente.

A PF foi procurada insistentemente pelo GLOBO, por telefone e por e-mail, mas não quis se manifestar. Uma pessoa que atendeu ao interfone na casa do juiz aposentado pediu que a reportagem procurasse pelo advogado Ricardo Sayeg. Ele não quis falar.

Há outros exemplos de corrupção e impunidade pelo país. Não há mecanismos de medição correta dos casos, mas a ONG Transparência Brasil criou um endereço eletrônico que monitora, diariamente, as notícias de corrupção em 60 jornais (www.deunojornal.gov.br).

O Instituto Transparência Internacional divulga anualmente um índice de percepção da corrupção. No último, de 2004, o Brasil se manteve com 3,9 (numa escala pontuada de zero a dez, onde zero é o maior grau de corrupção). A média é igual desde 1998.

¿ Isso significa que as medidas adotadas não conseguiram reverter expectativas. Nada mudou na percepção da sociedade ¿ diz a deputada e ex-juíza Denise Frossard (PPS-RJ), fundadora da Transparência Brasil.

E as CPIs, mecanismo imediato da democracia, têm sido ineficientes.

¿ Já se revelou que há corrupção no próprio instrumento criado para combater a corrupção ¿ afirma Frossard, lembrando do recente caso do deputado André Luiz (sem partido-RJ), acusado de extorquir dinheiro de Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, na CPI da Loterj.

Segundo Denise Frossard, falta ação política contra a impunidade.

¿ Temos melhorado aos poucos, não aos saltos, como gostaríamos. Com novos instrumentos, podemos melhorar muito mais¿ afirma.

Para a deputada, é preciso que o governo abra o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) à população e mude o Orçamento, de modo que não permita barganhas políticas. Além disso, na opinião dela, a Receita Federal deveria guardar as declarações do Imposto de Renda por mais de cinco anos.

Para o ministro Waldir Pires, da Controladoria Geral da União (CGU), o Brasil ainda tem uma democracia frágil, mas caminha na criação de mecanismos de controle:

¿ A complacência com a corrupção tem quatro séculos. A impunidade é imensurável. A prática brasileira é coronelista. O graúdo ainda é privilegiado. Estamos evoluindo muito neste governo, mas é preciso haver uma articulação conjunta de todos os setores, inclusive do Judiciário.

Já o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, ressalta que todo o governo está mobilizado no combate à corrupção, com ênfase para a PF:

¿ Com isso, conseguimos um salto quantitativo que se transformou em salto qualitativo. A PF não hesitou em cortar na própria carne, foi em cima de delegados e agentes e acabou fazendo um processo de autodepuração. O objetivo de tudo isso é justamente acabar com a impunidade. O medo da punição coíbe a corrupção, dá um sentido pedagógico. Nosso Judiciário é lento, mas o que diminui a criminalidade não é o tamanho da pena e sim a certeza da punição.