Título: A CONSCIÊNCIA DE QUE HÁ MUITO A FAZER
Autor: Luciana Brafman
Fonte: O Globo, 15/03/2005, Democracia 20 anos, p. 11

O Ministério da Ciência e Tecnologia faz também 20 anos hoje. Mais do que coincidência com o aniversário da democracia, o fato simboliza a importância do regime para as áreas científica e tecnológica. O crescente apoio de instituições como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por exemplo, mostrou-se crucial para a formação de estudantes nas últimas duas décadas. De 1984 a 2003, o CNPq concedeu cerca de dez vezes mais bolsas do que havia oferecido desde sua fundação, em 1951. Além dos resultados objetivos, especialistas concordam que um dos maiores ganhos do período foi a tomada de consciência de que ainda há muito a fazer.

A diretora-presidente da Fundação Museu do Homem Americano, Niède Guidon, não hesita em dizer que faltou retomar a qualidade do ensino público, uma prioridade para o futuro.

¿ A democracia ficou devendo: nunca mais se ocupou da escola pública, onde havia oportunidades para todos. Era lugar de gente inteligente. Burrinhos ricos é que iam para escolas particulares ¿ diz Niède.

Para ela, os recursos do CNPq, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) têm sido relevantes. A trajetória do cientista Paulo Antônio de Souza Júnior, de 33 anos, é um exemplo. Físico, mestre em Engenharia Mecânica, optou pelo doutorado na Alemanha, com uma bolsa da Capes. Lá, pesquisou sobre a miniaturização da análise de compostos que contêm ferro, técnica que aplica hoje na Companhia Vale do Rio Doce.

¿ Com a abertura das universidades, criou-se um ambiente favorável à difusão do conhecimento científico. Mas os investimentos só virão quando a sociedade perceber na ciência a solução para seus problemas ¿ diz Júnior, convidado pela Nasa para participar das missões que enviaram os robôs Spirit e Opportunity a Marte.

Seu interesse pela ciência foi despertado pelo CNPq: recebeu uma das 713.814 bolsas concedidas de 1984 a 2003. O número é quase dez vezes superior ao de bolsas oferecidas até 1983 (74.357). A produção científica também costuma ser medida por citações em artigos especializados. Segundo pesquisa publicada na revista ¿Nature¿, entre os 31 países que concentram 98% da produção científica mundial, o Brasil é o 3º que mais cresce, com 1,4% das citações.

Mas de acordo com Simon Schwartzman, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, o indicador é baixo e representa um campo científico do tamanho de um país como a Bélgica. Ele acredita que a ciência não avançou como deveria:

¿ Vivemos de sobras do projeto da ditadura. Não há um projeto alternativo. A ciência deve ter papel mais forte na resolução dos problemas do país. A boa pesquisa não separa teoria de prática ¿ critica Schwartzman, para depois elogiar estudos em tecnologia agrícola da Embrapa e avanços do Instituto Oswaldo Cruz na saúde.

Meio ambiente ganhou aparato legal

A área ambiental também evoluiu na democracia. A começar pela criação de um aparato legal. O artigo 225 da Constituição garante a todos, pela primeira vez, o ¿direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado¿. A criação, em 1992, do Ministério do Meio Ambiente é outro marco.

Apesar da extensa legislação atual, o deputado Carlos Minc (PT-RJ) lamenta a fiscalização e a impunidade. De positivo, destaca a conscientização sobre um tema antes ¿exótico¿.

¿ Éramos os birutas quando falávamos de ecologia. Os sérios discutiam o desemprego. Educação ambiental, hoje em voga, não passava de delírio numa época em que o meio ambiente era tido como infinito.

Para ele, a Rio-92, conferência que reuniu mais de 170 representantes de países do mundo no Rio, em 1992, ajudou a legitimar a causa. Ele destaca ainda a nova postura dos ecologistas, que só se queixavam das empresas, mas hoje brigam por investimentos em tecnologias menos poluentes.

O professor do Instituto de Economia da UFRJ Carlos Eduardo Young enfatiza mudanças na forma de contaminação: o que era resultado do crescimento acelerado, existe agora por causa da pobreza. Ele cita a Baía de Guanabara, onde a poluição industrial foi minorada, ao contrário de problemas oriundos de favelas da região.

Segundo Young, atualmente não há riscos do porte de Cubatão. Há cerca de 30 anos, a cidade ficou famosa pelos níveis de poluição industrial, com conseqüências na formação de fetos:

¿ Ganhou-se consciência de que crescimento não é tudo. Começamos a falar em qualidade de vida.

A Rio-92, diz, foi uma injeção de ânimo, mas é preciso continuidade, com um projeto de longo prazo:

¿ Falta planejamento na democracia. No regime militar, existia um projeto de país. Hoje, a meta é pela estabilidade de curto prazo.

Francisco M. Salzano, professor do Departamento de Genética da UFRGS, diz que houve ganhos pontuais em certas áreas, como na que atua, mas também reclama da falta de um planejamento geral. Para ele, ciência, tecnologia e ecologia devem andar juntas:

¿ A ciência é indispensável para a preservação. Deixar só as áreas intocadas não adianta. É preciso o aproveitamento racional do ambiente.