Título: Desordem e despudor
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 17/03/2005, Panorama Político, p. 2

O pudor político, aquele freio que sempre barrou as decisões legislativas mais impróprias, vem perdendo crescentemente a eficácia e a consistência desde a eleição de Severino Cavalcanti e da nova Mesa da Câmara. Este ¿liberou geral¿ ganhou força também porque as linhas de comando político do governo, já em crise, entraram em colapso com o anúncio da reforma ministerial.

Na medida que ela não sai, desgasta os líderes e articuladores e aumenta as dificuldades do governo num plenário que tomou gosto pela sublevação.

Nas últimas horas, os deputados mostraram o despudor em dois momentos. Ontem, com a aprovação, pela Mesa, da correção da verba de gabinete em 25%, que passará de R$35.350 para R$44.187, compensando parcialmente a derrubada do aumento dos subsídios pela reação da sociedade civil.

Na noite de anteontem, o governo sofreu derrota acachapante na votação de um destaque que, na prática, arrombou os limites salariais nos estados para delegados de polícia, agentes fiscais tributários e advogados estaduais. Teve apenas 13 votos contra 399 dos sublevados. Se não houver mudanças no segundo turno, estas categorias poderão também receber o teto estadual, ou 90,25% do salário de ministro do STF. Hoje elas não podem ganhar mais do que o governador. Em resumo, o plenário montou um vagão da alegria para três categorias de servidores com grande poder de pressão. A medida não terá custos para a União, mas terá grande impacto sobre as contas estaduais, afetando, de todo modo, o cálculo final do superávit primário nacional.

¿ Fiquei tão envergonhado que fui para casa, deixando de dar ao governo o décimo-quarto voto, embora eu seja da oposição ¿ dizia ontem o deputado pefelista Roberto Brant.

As mudanças no texto da chamada PEC Paralela da Previdência foram patrocinadas por pefelistas e tucanos, mas o fato de o governo ter tido apenas 13 votos, após dois veementes discursos do líder Professor Luizinho (cuja substituição já foi anunciada até aos passarinhos), mostra que a base quase inteira, e uma parte do próprio PT, embarcou no trenzinho alegre. Além do PT, só o PSDB, o bloco PL-PSL e o PV posicionaram-se contra o destaque. Remédio ainda tem, no segundo turno, se os governadores se mexerem.

O que impressiona é a cegueira do governo diante de sua própria situação. Enquanto não arrumar sua base, não devia concordar com votação alguma de grande importância. Devia deixar de valentia e partir para a obstrução das pautas de Severino.

Se o presidente Lula sabe mesmo que a situação na Câmara é tão periclitante, devia também acelerar a reforma ministerial. Em nome dos resultados, se não em consideração aos que já tiveram a saída anunciada. Numa recepção anteontem, encontrando o senador Romero Jucá, tido como futuro ministro da Previdência, o ministro Aldo Rebelo resumiu o sentimento seu e de alguns colegas ao adotar a saudação dos condenados gladiadores romanos:

¿ Salve, Romero. Os que vão morrer te saúdam.

A dança imóvel de Lula

O presidente Lula queria muito preservar o ministro Olívio Dutra na pasta de Cidades, mas parece ter capitulado diante da necessidade de arranjar logo um lugar para a senadora Roseana Sarney (PFL-MA), que já quiserem pôr até na Coordenação Política. Não daria certo, qualquer um sabe disso. Se ela for para Cidades, Lula pode deslocar Olívio para o Trabalho. Pode ser ainda que desloque o ministro Jaques Wagner para uma assessoria especial, abrindo a secretaria-executiva do CNDES para OIívio. Jaques, com quem Lula tem uma relação de total confiança, já se sacrificou uma vez para ajudar o chefe nestas situações. Foi quando deixou o Trabalho para Ricardo Berzoini. A assessoria de Berzoini, por sinal, contestou nota de ontem incluindo-o entre os ministros que estariam se movimentando para não sair. Ele não teria feito qualquer gesto neste sentido. Enfim, então, um ministro resignado e desprendido.

Resolvido o problema Roseana, a reforma estaria quase pronta. Ciro Nogueira, do PP, em Comunicações (desde que o PMDB concorde), Eunício Oliveira em Integração Nacional e Romero Jucá na Previdência. Mas Ciro Gomes na Saúde é uma solução que encontra alguma resistência no PT. Pasta estratégica demais para não ficar com o partido, dizem alguns. Reconhecendo porém que a invenção foi de Lula, e não de Ciro. Para o Planejamento, voltou a subir o nome do deputado Paulo Bernardo, contra o de Jorge Bittar.

E falta, mais que tudo, a solução para a Coordenação Politica, que, a esta altura, diante da recusa de José Dirceu, parece destinada ao deputado João Paulo.

ANIVERSARIANDO ONTEM, o ministro José Dirceu comemorou os 59 anos ao lado de Genoino, dos ministros Jorge Felix, Aldo, Alencar e Jaques Wagner (outro aniversariante, homenageado por muitos amigos num café da manhã), do presidente da Infraero, Carlos Wilson, do prefeito João Paulo (Recife), do tesoureiro Delúbio e de José Borba. Comeram salgadinhos, bolo de chocolate e tomaram guaraná fabricado em Passa Quatro (MG), cidade natal do ministro. A festa grande será amanhã, num restaurante em São Paulo, celebração conjunta de Dirceu e Marta Suplicy, que aniversaria no dia 18.