Título: 'NÃO OUVI FALAR DO REFÉM BRASILEIRO'
Autor: Gina de Azevedo Marques
Fonte: O Globo, 16/03/2005, O Mundo, p. 31

Jornalista italiana nega ter falado sobre engenheiro e afirma que rebeldes não querem estrangeiros no Iraque

O trauma da jornalista italiana Giuliana Sgrena não se deve apenas aos 28 dias em que permaneceu seqüestrada no Iraque, mas também ao ataque a tiros de forças americanas ao carro que a conduzia, que lhe causou um ferimento no ombro, pouco depois de ser libertada, no último dia 4. Em entrevista ao GLOBO, ela afirma que ¿ diferentemente do que foi noticiado ¿ nada soube sobre o refém brasileiro João José Vasconcellos enquanto esteve no cativeiro. Giuliana diz que os rebeldes não querem estrangeiros de qualquer nacionalidade no Iraque, mas acrescenta: 'O fato de o Brasil não participar das ações militares pode ser um ponto a favor da libertação do brasileiro.'

A senhora viu o refém João José Vasconcellos Júnior ou ouviu de seus seqüestradores alguma referência a ele?

GIULIANA SGRENA: No período em que fiquei seqüestrada não ouvi falar de qualquer refém brasileiro, nem de outra nacionalidade. Esperava ter alguma notícia sobre eles, mas nada me disseram. Não sei de onde saiu essa noticia divulgada pela agência italiana Ansa (de que o brasileiro teria morrido, atribuída a ¿fontes seguras em Bagdá¿). Pedi para verificar a fonte de informação deles. A informação que me citava é falsa e pode abalar muito a família dele. Como fui seqüestrada, posso entender a angústia da família.

Existe a hipótese de a informação ter sido divulgada para levar os seqüestradores a dar notícias sobre o brasileiro. Acredita nessa possibilidade?

GIULIANA: Não sei se a intenção era essa, mas normalmente essas notícias não passam por uma agência. Além disso, citar meu nome com declarações que nunca fiz é absolutamente irresponsável. Não se pode jogar com o sentimento das pessoas.

Em que língua a senhora falava com os seqüestradores?

GIULIANA: Às vezes em inglês, às vezes em francês e de vez em quando em árabe, língua que falo um pouco e entendo.

Os seqüestros no Iraque acontecem de várias maneiras. No seu caso, foi divulgado um vídeo com um apelo, mas os seqüestradores do brasileiro nada divulgaram sobre ele, exceto imagens de um documento. Como interpreta isso?

GIULIANA: O fato de haver diferentes formas não significa que uma seja positiva e outra negativa. No caso das duas Simones (reféns italianas), não foi divulgado qualquer vídeo e elas foram libertadas. Portanto, a ausência de vídeo não deve ser vista com pessimismo.

A senhora falou da simpatia de um dos seqüestradores pelo futebol, citando a camisa de Totti (jogador italiano) que pedia sua liberdade. Ronaldo fez um apelo pela libertação do brasileiro. O time do Flamengo, um dos mais populares no Brasil, entrou em campo com a palavra liberdade escrita em português e árabe na camisa. Acha que esse apelo pode influenciar os acontecimentos?

GIULIANA: O futebol atravessa o mundo inteiro e não deixa ninguém insensível. Fiquei maravilhosamente surpresa quando um de meus seqüestradores mostrou-se entusiasmado com o apelo na camisa dos jogadores italianos. Considerando que o futebol supera tantas barreiras, por que não usá-lo para sensibilizar? É uma tentativa válida.

O Brasil já se manifestara contra a guerra no Iraque. Acredita que essa posição possa ajudar a libertar o brasileiro ou os seqüestradores consideram Vasconcellos um estrangeiro qualquer, a quem são hostis?

GIULIANA: Os seqüestradores não querem estrangeiros no Iraque, independentemente da nacionalidade deles. Estrangeiros não são bem-vindos, nem civis, nem militares. O fato de o Brasil não participar das ações militares pode ser um ponto a favor da libertação do brasileiro. Certamente o fato de ser contra a guerra desde o início pode ajudar.

O embaixador do Brasil na Itália, Itamar Franco, propôs ao governo centralizar em Roma as operações diplomáticas para libertar o engenheiro. Espera contar com a colaboração da Itália, que mantém militares, serviços secretos e sede diplomática no Iraque. É uma boa proposta?

GIULIANA: Francamente não sei avaliar. A relação da Itália com o Iraque é de país ocupante. As forças italianas são vistas pelos iraquianos como forças de ocupação. Por outro lado, há pessoas na Itália muito capazes de estabelecer contatos com os seqüestradores, e isso já foi demonstrado.

O que espera da comissão dos EUA e da Itália que investiga o ataque americano ao carro que a conduzia?

GIULIANA: Espero justiça. Quero saber como podem disparar num carro civil sem qualquer aviso prévio. Os americanos devem nos explicar o motivo. Queremos justiça.

Como descreveria esse mês em que esteve seqüestrada?

GIULIANA: O refém é obrigado a conviver com os seqüestradores e tenta obter o máximo possível deles. Você está numa situação de prisioneiro, fechado a sete chaves numa sala. Não tem contato com o mundo, não sabe se será libertado ou assassinado, não sabe se é dia ou noite, no meu caso exceto pelo som das orações na mesquita. Tudo era muito difícil e sacrificado. Só quem sofreu essa experiencia pode imaginar a dor que significa.