Título: É HORA DE AÇÃO CONTRA O TERROR
Autor: KOFI ANNAN
Fonte: O Globo, 18/03/2005, O País, p. 7

Há um ano (11 de março), 192 pessoas inocentes foram brutalmente assassinadas nos atentados terroristas contra os trens suburbanos de Madri. Nos últimos anos, milhares de seres humanos tombaram vítimas do terrorismo, em todas as partes do mundo. O terrorismo é uma ameaça a todos os Estados e a todos os povos.

É também um ataque direto aos valores fundamentais que as Nações Unidas defendem: o primado do direito, os direitos humanos, a proteção de civis, o respeito mútuo entre pessoas de diferentes crenças e culturas e a resolução de conflitos por meios pacíficos.

A ONU deve, por isso, estar na linha de frente da luta contra o terrorismo. Do que precisamos é de uma estratégia global, baseada em princípios, que todo o mundo possa apoiar e aplicar. É isso que proponho, em cinco rubricas a que chamo os ¿cinco D¿.

Em primeiro lugar, temos de desencorajar os grupos descontentes de adotarem o terrorismo como tática. Escolhem-no porque crêem que é eficaz e lhes irá granjear o apoio popular. Esta idéia é a verdadeira ¿causa profunda¿ do terrorismo. Compete-nos provar que estão errados.

Há demasiado tempo que a autoridade moral da ONU se vê enfraquecida pelo prolongado debate sobre o que é o terrorismo: se os Estados podem ser considerados culpados da sua prática e os grupos que não atuam sob a autoridade legal de um Estado, também, e se abrange atos de resistência à ocupação estrangeira.

Chegou o momento de pôr termo a essas controvérsias. O uso deliberado da força contra civis, por parte dos Estados, já é proibido pelo direito internacional. E o direito de resistir não engloba o direito a matar ou mutilar civis intencionalmente.

Afirmemos claramente que qualquer ação que vise a causar a morte ou provocar danos corporais graves a civis ou não-combatentes, com o objetivo de intimidar uma população ou obrigar um governo ou uma organização internacional a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, é uma forma de terrorismo.

Esta definição teria uma enorme força moral. Peço insistentemente a todos os dirigentes mundiais que se unam em torno dela.

Em segundo lugar, temos de denegar aos terroristas os meios de que necessitam para perpetrar os seus atentados. Isso significa fazer com que tenham dificuldade em viajar, em obter apoio financeiro ou em adquirir material nuclear ou radiológico.

O terrorismo nuclear é freqüentemente encarado como se fosse ficção científica. Tomara fosse. Mas, infelizmente, vivemos num mundo onde existem muitos materiais perigosos e conhecimentos tecnológicos, um mundo onde alguns terroristas estão claramente determinados a causarem baixas catastróficas.

Tanto o Grupo dos Oito como o Conselho de Segurança das Nações Unidas tomaram medidas para eliminar os materiais perigosos, impor controles à exportação e preencher as lacunas do regime de não-proliferação. A Iniciativa de Segurança contra a Proliferação, do presidente Bush, é mais um passo importante. É preciso fazer cumprir integralmente estas medidas.

O meu terceiro D tem que ver com a necessidade de dissuadir os Estados de apoiarem os grupos terroristas.

No passado, o Conselho de Segurança da ONU aplicou repetidamente sanções contra os Estados que davam guarida ou prestavam ajuda a terroristas. Há que manter e reforçar esta linha de ação. Todos os Estados têm de saber que, se fornecerem qualquer tipo de apoio a terroristas, o mundo reagirá com firmeza.

Em quarto lugar, temos de desenvolver a capacidade dos Estados no domínio da prevenção do terrorismo.

Os terroristas exploram os Estados fracos como refúgios onde podem escapar à detenção e formar ou recrutar pessoal. Tornar todos os Estados mais capazes e responsáveis deve ser um elemento importante dos nossos esforços mundiais contra o terrorismo. Isto significa promover a boa governação e o primado do direito e dispor de forças profissionais de polícia e de segurança que respeitem os direitos humanos.

Poucas ameaças ilustram esta necessidade de uma maneira mais clara do que o terrorismo biológico. Em breve haverá em todo o mundo dezenas de milhares de laboratórios capazes de criar bactérias e vírus com um potencial letal terrível. E é possível espalhar doenças infecciosas mortais por todo o mundo ¿ intencionalmente ou não ¿ numa questão de dias.

A melhor defesa contra isto é reforçar os sistemas de saúde pública, em especial nos países pobres, onde com freqüência são deficientes. A Organização Mundial de Saúde tem feito um trabalho notável ao controlar e responder a surtos de doenças mortais. Mas se houver um surto esmagador ¿ quer se deva a causas naturais quer seja provocado pelo homem ¿ os sistemas de saúde em nível local estarão na linha de frente. É necessária uma grande iniciativa destinada a reforçá-los.

Em último lugar, mas sem que por isso seja menos importante, o meu quinto D é defender os direitos humanos e o primado do direito. O terrorismo é um ataque direto a estes valores fundamentais. Por conseguinte, não devemos sacrificá-los, quando respondemos a ações terroristas. Se o fizermos, estaremos dando uma vitória aos terroristas. A defesa dos direitos humanos não é apenas compatível com uma estratégia antiterrorista bem-sucedida. É um elemento essencial dessa estratégia.

Já solicitei a todos os departamentos e organismos da ONU que desempenhem o papel que lhes cabe na execução desta estratégia. Mas são os Estados-Membros da ONU que têm de fazer a maior parte do trabalho. Peço-lhes que adotem a minha estratégia de cinco pontos e que trabalhemos em conjunto para aplicá-la.

Isto é o mínimo que devemos às vítimas do terrorismo em todo o mundo. Em seu nome, façamos tudo o que estiver ao nosso alcance para impedir que outros tenham o mesmo destino.

KOFI ANNAN é secretário-geral das Nações Unidas.