Título: CORRENDO ATRÁS DO PREJUÍZO
Autor: Isabel Braga e Lydia Medeiros
Fonte: O Globo, 19/03/2005, O País, p. 3

PSDB e PFL ajudarão governo a evitar aumento da Loas; Tesouro já ameaça com imposto

Descoberto o aumento de gastos de R$26,1 bilhões anuais que apenas o projeto que modificou a Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) provocaria, a Câmara vai voltar a analisar a medida em vez de deixá-la seguir diretamente para o Senado. O PSDB e o PFL anunciaram ontem que vão recorrer à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), ajudando o governo, que agora corre atrás do prejuízo. Por outro lado, a equipe econômica sinalizou que, se for mantido o aumento de gastos em R$26,1 bilhões, a solução poderá ser o aumento da carga tributária sobre o contribuinte.

¿ Ou será um novo imposto, uma nova contribuição, uma nova receita tributária ou então terá que ter um corte equivalente em outra despesa que também seja permanente ¿ disse ontem o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, ao ¿Jornal Nacional¿, da TV Globo.

O aumento de R$26,1 bilhões que a mudança no projeto da Loas provocaria é maior do que todo o orçamento anual da Educação. E não foi o único aprovado pela Câmara na gestão Severino Cavalcanti (PP-PE). Outras votações fazem o rombo chegar a R$30 bilhões no total.

Na semana passada, a CCJ aprovou, em caráter terminativo, o projeto que quadruplica o valor da renda per capita de famílias que, por terem idosos acima de 65 anos, portadores de deficiência e de doença crônica grave, terão direito a receber mensalmente um salário-mínimo a título assistencial. A renda per capita para fazer jus ao benefício é hoje equivalente a um quarto do salário-mínimo.

Deputados do PFL e do PSDB anunciaram ontem a decisão de recorrer à CCJ ¿- para que a proposta seja apreciada pelo plenário da Câmara. No início da semana, o líder do governo, Professor Luizinho (PT-SP), pediu a Severino que envie o texto à Comissão de Finanças e Tributação.

Regimentalmente, um projeto com caráter terminativo, depois de aprovado na última comissão (CCJ), pode seguir direto para o Senado se não houver recurso para a votação no plenário da Casa. A medida tem o objetivo de agilizar a tramitação, mas funciona apenas quando não há polêmica envolvendo o tema. A assessoria técnica está analisando se o projeto relativo à Loas voltará para a Comissão de Finanças ou para o plenário.

Intenção da Loas era atender muito pobres

Autor da Loas, o deputado tucano Jutahy Junior (PSDB-BA), também pediu a discussão em plenário. Ele lembra que a Loas foi criada no governo Itamar Franco (governo no qual ele foi ministro da Ação Social) e a intenção era atender pessoas muito pobres, que não contribuíam para a Previdência. Com o aumento da renda per capita das pessoas com direito a receber o benefício da Loas, Jutahy teme que a lei seja extinta.

¿ Essa é uma lei para atender pessoas indigentes que não contribuíam para a Previdência. Agora, se se amplia a renda per capita para um salário, pode ser que a lei morra e eu não quero isso ¿ justifica Jutahy.

Os líderes da oposição também foram surpreendidos com a aprovação da proposta, mas não querem, desde já, assumir compromisso de ajudar ao governo.

¿ Temos que fazer uma análise cuidadosa, mas se os números que estão sendo divulgados correspondem à realidade, não há como aprovar isso. É preciso pensar no país ¿ afirma o líder do PSDB, Alberto Goldman (SP), criticando o nível de descontrole do governo na Casa.

¿ O governo não está conseguindo a solidariedade da base nem de seu próprio partido. Como espera solidariedade da oposição? Iremos discutir com a bancada para ver se a proposta tem base legal e se há respaldo no orçamento ¿ avisa o líder do PFL, Rodrigo Maia (RJ).

Jutahy também criticou o PT pela mudança na lei:

¿ É até desgastante para mim, como oposição, fazer um requerimento desse tipo. Isso é papel do governo ¿ afirmou.

Segundo os cálculos da Consultoria de Orçamento da Câmara, o número de idosos beneficiados subirá para 5,7 milhões e o de deficientes para 4,2 milhões, causando o impacto este ano de pelo menos R$26,1 bilhões.

No Senado, o governo também deve contar com a ajuda do PSDB para derrubar outra medida com impacto nas contas públicas: o aumento do teto salarial de delegados de polícia, auditores tributários estaduais, advogados e defensores públicos aprovado pela Câmara por meio de alteração na chamada PEC paralela da reforma da Previdência (emenda constitucional que amenizou efeitos da reforma sobre pensionistas e aposentados).

O senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) afirmou que a bancada vai se reunir para avaliar as modificações feitas pelos deputados, mas, em princípio, o partido será contra a adoção de privilégios e supersalários:

¿ A PEC paralela foi uma tentativa de alívio nas maldades da reforma da Previdência. A idéia era atender os desvalidos, os aposentados e pensionistas com mais de 65 anos, os deficientes. Amenização de crueldade, sim. Mas aberração fiscal, não. Não concordamos.

Mercadante: ¿País busca equilíbrio fiscal¿

O líder do governo, Aloizio Mercadante (PT-SP), declarou que não há compromisso com o texto da Câmara. Ele lembrou que a emenda foi fruto de amplo acordo no Senado e deve ser mantida como saiu da Casa:

¿ A proposta é nova. Não podemos tomar nenhuma decisão que fragilize ainda mais as contas da Previdência. O país está em busca do equilíbrio fiscal ¿ afirmou.

O PMDB poderá seguir a mesma linha. Segundo o líder, senador Ney Suassuna (PB), o papel do Senado é de Casa revisora e um dos pontos a ser analisados é a existência de fontes de receita para cobrir os aumentos de gastos:

¿ Não podemos permitir que se criem problemas para o orçamento.

O PFL, no entanto, deve apoiar a manutenção do novo teto salarial para as carreiras jurídicas estaduais. Para o senador Demóstenes Torres (GO), o governo deve cortar gastos no custeio da máquina administrativa, em viagens e diárias, não nos salários de servidores:

¿ O funcionário público não é bode expiatório.

Um dos maiores defensores das regras da PEC paralela, o senador Paulo Paim (PT-RS) quer pressa na votação do Senado. Segundo ele, se os governadores, que são os maiores prejudicados com um eventual reajuste de salários nos cargos listados na emenda, não se manifestaram para impedir a aprovação, não cabe ao Senado criar caso e retardar a análise da proposta. Paim sustenta que a emenda apenas autoriza a elevação do teto dos servidores. A medida depende da boa vontade dos governadores e das assembléias estaduais, além da Lei de Responsabilidade Fiscal, que deve ser cumprida. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), aposta no entendimento:

¿ A PEC paralela foi conseqüência de ampla negociação que favoreceu a aprovação da reforma da Previdência. Qualquer mudança deve ser fruto de um acordo.