Título: Pé no freio nos ganhos do campo
Autor: Luciana Rodrigues e Chico Oliveira
Fonte: O Globo, 19/03/2005, Economia, p. 29

Preços menores no exterior e seca no Sul reduzem em até 21% receita do setor

Menina dos olhos da economia brasileira nos últimos anos, a agricultura se prepara para enfrentar, em 2005, um cenário bem mais adverso. A estiagem que castiga o Sul do país, aliada à queda nos preços internacionais dos principais grãos produzidos pelo Brasil, deve derrubar a receita do setor. Especialistas projetam uma redução de 14% a 17% nos ganhos do campo. Só a soja, carro-chefe da agricultura brasileira, deve obter uma receita 21% menor do que no ano passado, segundo projeções da MSConsult.

A queda nos ganhos veio acompanhada de forte aumento nos custos. O preço do frete deve ficar 7% maior este ano, na estimativa da MB Associados. Adubos e fertilizantes ¿ que são derivados do petróleo, em alta no exterior ¿ subiram entre 20% e 25% no atacado em 2004, segundo a Fundação Getúlio Vargas. O aperto no bolso do produtor agrícola começa a ter reflexo na indústria. A venda de tratores e colheitadeiras encolheu 28,5% nos dois primeiros meses do ano, pelas estatísticas da Anfavea, a associação de fabricantes de veículos.

¿ O setor agrícola vive de ciclos e viemos de um de bonança. Nesta safra, pela primeira vez em três anos, a área plantada não foi ampliada ¿ diz Gervásio Castro de Rezende, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Ele acrescenta que o momento é crítico: março e abril são os meses de plantio nos EUA, referência para a cotação internacional.

¿ Os preços estão muito baixos. O agricultor tem que esperar, não pode vender agora de jeito nenhum. O jeito é torcer por um milagre, que seria uma queda de safra nos EUA. Se não, a renda agrícola vai lá embaixo e o plantio para a próxima safra, desta vez, vai encolher.

Produtividade maior é a saída, diz economista

Em 2005, mesmo com a área plantada mantida em relação a 2004 e com a seca na Região Sul, a produção agrícola deve crescer. A MS Consult estima safra de grãos de 124,6 milhões de toneladas, contra 120 milhões no ano passado. O problema maior está no preço. A safra recorde de 2003 (124,1 milhões de toneladas) foi seguida pela disparada nas cotações em 2004. Este ano, o quadro é bem diferente:

¿ Cenário favorável como o de 2004 não volta tão cedo. O produtor terá que se acostumar com preço menor e buscar produtividade maior ¿ diz Fábio Silveira, da MSConsult.

Nas culturas permanentes ¿ café e cana-de-açúcar, por exemplo ¿ os preços estão em alta. Mas não serão suficientes para compensar a redução na receita dos grãos, diz Silveira.

O economista Glauco Carvalho, da MB Associados, acrescenta que nas últimas semanas houve melhora nos preços da soja. A cotação do grão subiu 18% em março, frente a fevereiro. Mas o preço médio ¿ US$6,37 por bushel ¿ ainda está longe do pico de US$9,89 de abril do ano passado. A recente recuperação dos preços, ironicamente, foi reflexo da frustração da safra brasileira, com a seca no Sul.

¿ A melhora nas cotações será um alívio para aqueles que não foram afetados pela estiagem ¿ diz Carvalho.

Produtor cancela compra de colheitadeira e adubos

Mas, nas regiões castigadas pela seca, os produtores não têm outra saída a não ser cortar investimentos. Roberto Haas, presidente da Cooperativa Tritícola Santo Ângelo, no noroeste gaúcho, a 443 quilômetros de Porto Alegre, optou pela cautela tão logo percebeu a queda nos preços internacionais, no fim do ano passado. Haas pretendia comprar no início deste ano uma nova colheitadeira, de cerca de R$400 mil, e um trator, com preços acima de R$100 mil. Acabou desistindo da colheitadeira.

¿ Agora quem vai vender bem será o comércio de reposição, porque o produtor fará mais manutenção e reforma do que aquisição de máquinas. O preço caiu e houve a seca, que reduziu a produção de soja em cerca de 80% aqui na região. Se tivéssemos nos endividado, a situação seria pior, porque não temos produção para pagar ¿ acrescentou Haas.

Com 490 hectares na Granja Dois Pinheiros, no município de Catuípe, próximo a Santo Ângelo, onde planta principalmente soja (300 hectares), milho e, no inverno, trigo, Haas planejava comprar em janeiro 37,5 toneladas de adubo para plantar 150 hectares de trigo a partir de abril, investindo R$27 mil. Mas suspendeu os planos, preocupado com a estiagem.

O Rio Grande do Sul foi o único estado do país a registrar queda na produção industrial em janeiro, de 1,1%, provocada, segundo o IBGE, pela retração nos setores de adubos e fertilizantes e de tratores e colheitadeiras. Glauco Carvalho, da MB Associados, lembra que além das margens apertadas, a venda de máquinas agrícolas deve cair 10,5% este ano porque a agricultura vem de um período de fortes investimentos, nos quais a frota foi renovada. Só o Moderfrota, programa do BNDES para máquinas agrícolas, injetou R$9,7 bilhões em financiamentos entre 2000 e 2004.