Título: JUSTIÇA DECIDE POR EUTANÁSIA
Autor:
Fonte: O Globo, 19/03/2005, O Mundo, p. 40

Médicos desligam aparelho após batalha legal por destino de americana em coma há 15 anos

MIAMI, Flórida

Uma batalha legal de quase uma década, que envolveu os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário dos Estados Unidos, chegou aparentemente ao fim ontem, quando médicos desligaram o tubo de alimentação que permitia a Terri Schiavo, de 41 anos, permanecer viva. Há 15 anos ela está em coma, com graves danos cerebrais. Numa atitude sem precedentes, congressistas se mobilizaram para impedir o cumprimento de uma ordem judicial que autorizava a morte de Terri, mas o juiz da Flórida responsável pelo caso manteve a decisão. Às 13h45m (hora local), o aparelho foi removido. Com isso, Terri deverá morrer nos próximos dias ou semanas.

Responsável legal por Terri, seu marido, Michael, brigava na Justiça há oito anos com os pais dela, Robert e Mary, pelo direito de desligar o aparelho. O caso foi submetido a 19 juízes de seis tribunais e teve a interferência do governador da Flórida, Jeb Bush (irmão do presidente George W. Bush), que criou uma lei para impedir a morte da americana, até que em 25 de fevereiro passado o juiz George Greer autorizou a eutanásia.

Dispostos a impedir que isso acontecesse, senadores e deputados republicanos realizaram, no entanto, uma série de manobras que culminaram, na madrugada de ontem, com a aprovação de uma intimação para que Terri e Michael fossem ouvidos no Congresso semana que vem. Assim, impediriam a remoção do tubo, marcada para as 13h de ontem. Com o mesmo objetivo, manifestantes se concentraram em frente à casa de repouso onde Terri vive confinada a uma cama, na cidade de Clearwater. Além disso, o juiz David Demers determinou o adiamento do procedimento, pedindo uma reunião com o colega Greer para analisar o caso. Greer reivindicou, porém, sua autoridade sobre a decisão e a manteve. Advogados da Câmara dos Representantes disseram que apelariam.

Aparelho já fora desligado 2 vezes

Em 1990, aos 26 anos, Terri sofreu graves danos cerebrais quando seu coração parou de bater por um breve período, possivelmente devido a uma deficiência de potássio. Em estado vegetativo, continuou respirando sem ajuda, mas passou a precisar de um tubo para comer e beber. Oito anos depois, seu marido quis remover o aparelho, o que deu início à batalha legal com os pais dela. Apoiados por grupos conservadores, eles alegam que conseguem se comunicar com a filha e acusaram Michael de querer a morte dela para se casar com uma namorada de longa data, com a qual teria filhos pequenos. Chegaram a implorar para que o genro se divorciasse da filha para que pudessem cuidar dela. Mas ele sustentou que não a manteria viva naquelas condições.

¿ Ela tem o direito de morrer em paz ¿ afirmou ontem Michael depois de o aparelho ser desligado, o que ele não presenciou.

Em 2001, com base numa decisão judicial, o tubo de alimentação foi removido, mas religado dois dias depois, por ordem de outro juiz. Em 2003, mais uma vez foi adotado o procedimento, mas o governador Jeb Bush aprovou uma lei especialmente para impedir a morte de Terri e, seis dias depois, o tubo era religado. Em setembro do ano passado, o caso chegou à Suprema Corte da Flórida, que considerou abuso de autoridade a atitude do governador e declarou a lei inconstitucional. A Suprema Corte tem se recusado a aceitar o caso, mas o Congresso não se furtou a analisá-lo.

¿ O Senado e a Câmara permanecem dispostos a salvar a vida de Terry ¿ afirmou Bill Frist, líder da maioria no Senado. ¿ O objetivo da audiência (com Terri e Michael) é analisar as políticas de saúde e práticas relevantes para o tratamento de pessoas como a senhora Schiavo.

O deputado democrata Henry Waxman protestou:

¿ O Congresso está tornando a tragédia pessoal da família de Schiavo uma farsa política nacional.

Advogado de Michael, George Felos comentou:

¿ Ela (Terri) se tornou um peão num jogo de futebol político.

Quinta-feira, a Casa Branca indicou que Bush assinaria uma medida para prolongar a vida de Terri se esta chegasse à sua mesa. Em sua decisão, o juiz Greer aceitou a opinião de médicos de que os danos cerebrais tornam Terri incapaz de ter emoções, memória e raciocínio.