Título: A REFORMA QUE NÃO MUDA
Autor: Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 20/03/2005, O País, p. 3
Governo, petistas e aliados admitem que troca de ministros não deve resolver crise com Congresso
Depois de cinco meses maturando a reforma ministerial, uma constatação passou a preocupar o Palácio do Planalto na reta final das negociações: a mudança no primeiro escalão não vai melhorar de forma significativa o relacionamento do governo com a base no Congresso. Numa reunião semana passada para tratar dos acertos com os partidos aliados, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se mostrou pessimista com os resultados futuros da reforma.
¿ Estamos fazendo esta reforma, mas qual a garantia de que isso vai resolver os problemas no Congresso? ¿ perguntou Lula a ministros e líderes petistas que estavam na reunião.
A avaliação do governo é que durará pouco o efeito da reforma para promover a recomposição da base no Congresso. Assessores do presidente acostumados a cuidar do chamado varejo parlamentar observam que o novo Ministério terá o objetivo imediato de impedir uma catástrofe, mas tem validade curta. Para um ministro que está sendo consultado sobre as mudanças no primeiro escalão, a reforma que deve ser anunciada no início desta semana corre o risco de nascer velha. E compara: a reforma é como aquele clone de ovelha que nasce com problemas genéticos e envelhecendo precocemente.
Com a demora na decisão, a situação fica cada vez mais delicada. O consenso é de que a reforma tem de cumprir o papel de pelo menos estancar a crise atual. Entre os fatores que contribuíram para essa avaliação estão a derrota do Planalto na disputa pela presidência da Câmara e o resultado concreto da nova administração. Levantamento do GLOBO mostrou que, em apenas um mês da gestão Severino Cavalcanti (PP-PE), foram aprovados projetos na Câmara que devem provocar um rombo anual de R$30 bilhões nos cofres públicos.
Os aliados lembram que, além de espaço no primeiro escalão, é preciso dar aos deputados cargos, verbas e afagos. Tudo o que, segundo eles, o PT não ofereceu em seus dois primeiros anos. Para o líder do PP na Câmara, José Janene (PR), a dificuldade nas relações entre Planalto e Congresso deve continuar. O PP deve ganhar o Ministério das Comunicações.
¿ Esta reforma ministerial não resolve muita coisa. O governo terá que assumir outros compromissos. É preciso pagar emendas, cumprir acordos regionais, inclusive com a nomeação de cargos, e fazer com que os ministros tratem melhor os deputados. O Planalto assumiu nesses dois anos compromissos que não foram cumpridos. Sem isso, nada vai mudar. O PT não quer aliança política, só quer apoio. Daqui para a frente o cenário é pessimista ¿ alerta Janene.
`A reforma está fadada ao fracasso¿, diz petista
Avaliação igual é feita pelo líder do PCdoB na Câmara, Renildo Calheiros (PE). O PCdoB corre o risco de perder espaço com a saída do ministro Aldo Rebelo (Coordenação Política).
¿ A reforma não é suficiente. O governo tem que abrir espaço para os aliados nos estados. Tudo é do PT. O Planalto não se deu conta da gravidade do problema. A exclusividade petista não tem paralelo na História da República. É por isso que, se surgir um vendaval, ninguém segura. A relação com a base é frágil ¿ adverte ele.
No PT, a análise é de que a relação com a base desandou, como observa o deputado Paulo Delgado (PT-MG):
¿ A relação foi construída para produzir uma maioria independente dos objetivos políticos. O governo tentou ampliar a base sem identificação. Isso vai provocar instabilidade, porque o apetite nesse tipo de relação é insaciável. A reforma ministerial está fadada ao fracasso.
Na oposição, a avaliação é igual. O líder da minoria, senador Sérgio Guerra (PSDB-PE), aposta que o governo continuará tendo problemas:
¿ A reforma ministerial é um tiro na água. O governo mexe, mexe, mas não resolve o seu principal problema, articulação política e convivência com a base no Congresso.
E a reforma não significa compromissos futuros. O PP avisa que, mesmo se ganhar um ministério, não deve apoiar o governo em 2006. O PTB também anunciou que não existe mais garantia para uma aliança com Lula em 2006.
Até mesmo no mercado financeiro a constatação é de que o quadro instável não deve mudar com a reforma. Na sexta-feira, um boletim interno do Credit Suisse First Boston alertava para a situação delicada do governo num texto intitulado: ¿Entendemos que a reforma ministerial não reformará o essencial¿. O texto advertia que a reforma não melhorará substancialmente o relacionamento do governo com o Congresso.
O relatório citava ainda que a reforma não resolve três problemas básicos entre governo e Congresso: a concentração de poder nas mãos do PT, a corrida do PT para consolidar candidaturas para 2006 e a dissidência interna.