Título: AÇÃO PARALELA
Autor: Vera Araújo
Fonte: O Globo, 20/03/2005, Rio, p. 18

Milícias de PMs expulsam tráfico

Grupos de policiais assumem o controle em 42 favelas, mas há denúncias de abusos

Na contramão da violência produzida em áreas pobres controladas por traficantes de drogas, 11 grupos, seis deles chefiados por policiais militares, estão impondo uma nova ordem que conseguiu banir o tráfico de 42 favelas do Rio, em Jacarepaguá e na Barra. Depois da fase de esconder a identidade nas comunidades conflagradas onde moram, das quais alguns foram até expulsos, esses policiais formaram grupos armados e resolveram tomar os pontos dominados por traficantes. O subprefeito de Jacarepaguá, Fernando Modolo, define os grupos como milícias armadas e faz um alerta:

¿ Houve uma redução sensível de favelas dominadas pelo tráfico na região. Essas milícias armadas formadas por policiais têm seus aspectos positivos, mas podem se tornar nocivas a longo prazo, pois você tem a ausência do poder constituído. São ¿xerifes¿ se prevalecendo da força ¿ explicou o subprefeito ¿ Se esta é a única alternativa ao tráfico, que eles continuem a tomar conta das favelas, mas o ideal é que os ¿xerifes¿ não fossem necessários.

Os grupos contam principalmente com a ajuda dos moradores dessas áreas carentes para denunciar os traficantes. Em contrapartida, além da segurança, esses policiais aplicam um modelo de assistencialismo semelhante ao que os bandidos adotavam no passado, financiados pelo comércio e as indústrias locais, ocupando o vácuo deixado pelo poder público na área social. São distribuídas cestas básicas para as famílias mais pobres e material para reforma de casas atingidas por disparos em tiroteios provocados pelo tráfico.

Duas favelas sob o domínio do tráfico

Em Jacarepaguá, a retomada de grande parte das favelas nas mãos dos traficantes não seria possível sem o apoio do comando do batalhão, onde apenas duas comunidades ainda são dominadas pelo tráfico: a Cidade de Deus e a Caicó. Tomando como base dados do IBGE do ano de 2000, sobre a população que mora em favelas em Jacarepaguá, 111.448 pessoas conseguiram se livrar da opressão do tráfico. Apesar do trabalho de resgate do poder de policia nestas comunidades, dois grupos de Jacarepaguá estão sendo investigados pela Corregedoria Geral Unificada, pela corregedoria da PM e pelo próprio 18º BPM (Jacarepaguá), por denúncias de apropriação de imóveis de moradores expulsos por eles.

Pelo Disque-Denúncia, de janeiro a dezembro do ano passado, quando tiveram início as investidas do ¿comando azul¿, houve 47 denúncias contra grupos. Só este ano, de janeiro a 16 de março, foram registradas 14 queixas.

Moradores denunciam ainda que há policiais ligados a grupos de extermínio e às máfias do gás e do transporte alternativo (vans, Kombis e mototáxis). Há informações também sobre a cobrança de taxas nos valores de R$5, de moradores, e de R$10, dos comerciantes, referentes à segurança prestada pelos policiais. De acordo com as investigações da Corregedoria Geral Unificada, das 42 favelas onde não há tráfico, as denúncias envolvem duas comunidades.

Apesar do volume de denúncias contra os policiais, no interior das favelas o clima é de tranqüilidade. Crianças brincam o dia inteiro, inclusive à noite. Famílias ficam conversando nas ruas e becos bem iluminados até bem tarde da noite.

¿ Isso aqui era um inferno. Meu filho não conhecia nem a rua direito, quando os traficantes estavam aqui. Eles mandavam a gente dormir às 20h. Hoje temos paz ¿ disse uma moradora da Vila Sapê, que pediu para não ser identificada.

Vizinha à Cidade de Deus, onde o tráfico arrecada R$800 mil por mês, segundo a inspetora Marina Maggessi, chefe de investigações da Polinter, a Vila Sapê ainda teme represálias de traficantes. Como a comunidade era da mesma facção criminosa da primeira, os moradores não querem mostrar o rosto porque são vistos como alcagüetes da Polícia Militar. Apesar dos riscos, moradores que ainda vivem sob o domínio do tráfico procuram os grupos de policiais e a próprio batalhão da área para sair dessa condição. Com recortes amarelados dos tempos em que havia tráfico na favela, o presidente da Associação de Moradores do Morro do Jordão, o comerciante Carlos Alberto Jordão, conta que há quase um ano os moradores respiram mais aliviados.

¿ Minha mulher já teve arma na cabeça só porque não tinha como trocar dinheiro para um traficante. Os bandidos expulsavam e até matavam moradores, quando desconfiavam que eles passavam informações sobre o tráfico ¿ lembrou.

Mas ex-moradores do Jordão desmentem Carlos:

¿ Trabalhei muitos anos para ter minhas coisas e, de repente, perdi tudo para os maus policiais. Eles são tão bandidos quanto os traficantes. Tenho tanto medo que é melhor deixar do jeito que está ¿ contou um ex-morador expulso pelo tráfico.

Nas denúncias apuradas pela PM, não há informações contra policiais do quartel de Jacarepaguá. Segundo o comandante do 18 º BPM (Jacarepaguá), tenente-coronel César Couto Lima, que já trabalhou na Delegacia de Polícia Judiciária Militar da Polícia Militar (DPJM), que investiga crimes praticados por policiais, todas as denúncias contra maus policiais estão sendo investigadas por seu serviço reservado (P-2).

¿ Toda informação que chega ao batalhão é checada. Quando foge da nossa competência passamos para a corregedoria ou para os batalhões onde servem os policiais que estão sendo denunciados. A PM não admite desvios de comportamento. Não compactuamos com grupos de ¿mineira¿ (policiais ou civis financiados pelo comércio para exterminar bandidos) ¿ disse o comandante.

Para César Lima, dois fatores influenciaram na expulsão do tráfico das favelas de Jacarepaguá. Ele admite que os policiais que moram nas comunidades, antes dominadas por bandidos, se insurgiram contra a ditadura imposta pelos traficantes, mas ressalta que nada disso seria possível se os moradores não procurassem pela polícia.

¿ Foi a confiança da população no nosso trabalho que fez com que os traficantes saíssem das favelas. Depois que as pessoas experimentam o prazer de não serem subjugadas pelos bandidos, eles não voltam mais. Se alguém faz uma denúncia e percebe que a providência foi tomada, sem que ele se comprometa, ele ajuda e passa a ter um vínculo conosco. Eles mesmos impedem que o tráfico retorne. O mérito é da comunidade ¿ explicou o comandante.

Já o comandante do 31º BPM (Barra da Tijuca), tenente-coronel Paulo Mouzinho, disse desconhecer a existência de grupos de policiais armados nas favelas de sua área:

¿ As favelas daqui são realmente tranqüilas. Sou capaz de entrar fardado e desarmado na maioria delas. Não tem tráfico pesado, mas acredito que não seja porque policiais militares façam este tipo de serviço.