Título: A LUTA PARA ACABAR COM A FILA NA MAIOR EMERGÊNCIA
Autor: Maria Elisa Alves
Fonte: O Globo, 20/03/2005, Rio, p. 31

Pacientes do Hospital Souza Aguiar sentem melhorias após intervenção, mas ainda faltam médicos e equipamentos

Uma maca gelada, sem colchão ou ao menos um lençol para protegê-la do contato direto com o metal foi o primeiro exemplo para dona Amélia Leite Luz, de 93 anos, das mazelas do Hospital Souza Aguiar, a maior emergência da América Latina. Vieram outros: com o fêmur fraturado após uma queda, ela foi informada de que teria que esperar no mínimo 45 dias para ser operada. Diante do pequeno número de auxiliares de enfermagem, a família fez uma ¿vaquinha¿ para contratar duas acompanhantes, que se revezavam junto ao leito da idosa. O drama de dona Amélia teve final feliz com a intervenção do Ministério da Saúde em seis unidades. Levada para o Instituto de Traumato-Ortopedia (Into), ela hoje se recupera da cirurgia pela qual ainda estaria aguardando no Souza Aguiar. Para saber se mais pacientes têm tido a mesma sorte da idosa, uma equipe do GLOBO percorreu o hospital na última quinta-feira, uma semana após a intervenção.

Faltam ortopedistas, mas emergência está mais vazia

Foram sete horas de plantão na unidade e algumas surpresas. A primeira aconteceu na emergência. Na ala feminina, sempre tão lotada que é preciso se esgueirar entre as macas, havia boxes, normalmente ocupados por três pacientes, vazios. Os interventores conseguiram vagas nas enfermarias ou em outras unidades requisitadas pelo Ministério da Saúde para alguns pacientes, liberando quase 70 leitos (masculinos também).

Eficiência de um lado, problemas de outro. Maria da Penha Gonçalves, de 54 anos, estava há três dias na emergência, esperando ir para uma enfermaria. Na quinta, foi levada. Voltou uma hora e meia depois: a vaga já havia sido ocupada. A frustração de Maria da Penha é pequena, comparada com o drama de outra paciente. Como não há roupa para todos, uma idosa estava há dois dias sem tomar banho. E pior: sem trocar a fralda. A explicação beira o absurdo:

¿ A fralda é mandada junto com a roupa. Como não chega a roupa... ¿ lamenta uma das auxiliares de enfermagem.

No setor masculino da emergência imperava a confusão costumeira. Havia pacientes tomando soro sentados em cadeiras. A mesma cena se repetia no pronto-socorro, onde apenas dois médicos atendiam e Vilciléia Moreira Vaz há quatro horas se abanava com uma mão, tentando espantar o calor e as moscas, mantendo a outra imóvel, tomando soro. Uma maca com o colchão rasgado era o único local de repouso para quem esperava atendimento.

A balbúrdia continuava no setor de raios X. Apenas um dos oito aparelhos funcionava e a fila era grande. O descaso também. Atropelado por uma Kombi às 7h, o estudante Luciano da Costa Barroso conseguiu entrar no Souza Aguiar às 9h. Às 15h, continuava deitado numa maca no setor de raios X. Embora tivesse feito o exame às 9h30m, foi esquecido lá. Só foi resgatado e levado para a sala de ortopedia quando seu pai chegou.

Um dos planos do Ministério da Saúde para resolver o problema é trocar a metade dos aparelhos de raios X. Dois, segundo Ermesinda Bernardo, da equipe de interventores, deverão chegar nas próximas semanas. Mas não poderão ser instalados imediatamente:

¿ São equipamentos novos, modernos, mas a rede do Souza Aguiar é antiga. Teremos que fazer adaptações e isso demora um pouco.

Outro problema encontrado pelo ministério está na sala de politrauma, para onde são levados os pacientes graves para o primeiro atendimento. Inaugurada há três anos com capacidade para 12 pessoas, ela hoje tem apenas quatro respiradores, equipamento essencial no setor. Os interventores já compraram 14, mas ainda têm mais a fazer. Uma das dificuldades é a falta de pessoal. Na última quinta só havia dois ortopedistas de plantão. Sônia Soares e Reinaldo da Silva torceram o pé e chegaram praticamente juntos, às 7h. Esperaram quatro horas para serem imobilizados. É muito, mas ainda deram sorte. Se tivessem sofrido o acidente no domingo, se deparariam com quadro ainda pior: não há sequer um ortopedista nesse dia.

¿ A saúde está doente. Esperei três horas para tirar uma chapa do pé ¿ disse Sônia.

O hospital também sofre com o déficit de clínicos gerais. O ideal é ter cinco a cada plantão, mas há dias com apenas dois. Anestesistas também são artigo raro no Souza Aguiar. Segundo o gestor do hospital, Roberto Bittencourt, é preciso contratar 22. Sem eles, muitas cirurgias foram adiadas. Outras demoravam uma eternidade.

¿ É angustiante ficar com uma pessoa internada sem saber quando ela será operada. A indefinição é desgastante. Se não houvesse intervenção, minha mãe estaria esperando cirurgia até hoje ¿ diz Ronnand Rocha, filho de dona Amélia.

¿ Aqui é bem melhor. Até o bolo é bom ¿ concorda a paciente.

Os planos de Roberto Bittencourt são ambiciosos:

¿ Vamos acabar com a fila da emergência. Se não conseguirmos resolver isso, não adianta termos feito a intervenção.

Aos pacientes, agora resta esperar para crer.