Título: FALTA DE ASSUNTO
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 21/03/2005, O País, p. 4

Não, não vamos tratar daquele tema do qual ninguém agüenta mais ouvir falar ¿ a reforma ministerial que amadureceu, não foi colhida na hora certa e envelheceu antes do anúncio. Até porque, a esta altura, já não basta ao governo manejar ministérios, cargos e emendas para retomar a ofensiva política. Ainda que ¿ hipótese remota ¿ viesse a fazê-lo com maestria a partir de agora.

A sinalização de um projeto de poder compartilhado com os aliados ¿ a ser traduzido nas mudanças na equipe e nos acordos para 2006 ¿ é só o ponto de partida. Para chegar lá, é preciso bem mais. Por exemplo, assunto. Aquilo que alguns chamam de pauta, numa referência às enormes dificuldades do Planalto em botar de pé uma agenda para o Congresso, para os políticos e para a própria sociedade.

Governistas de origens diversas e até oposicionistas sabem que, enquanto não fizer isso, o governo continuará correndo atrás do prejuízo. Ou seja, das bobagens que a Câmara aprova, das exigências descabidas de aliados fisiológicos, do discurso a cada dia mais cheio de provocações da oposição. Acima de tudo, preocupam-se os setores mais sensatos do governo com uma certa falta de percepção, no terceiro andar do Planalto, de que, mesmo quando a economia vai bem, e a popularidade presidencial também, a política sempre pode estragar tudo. Sobretudo quando os governantes não se ocupam muito dela.

É por aí que vão as considerações de quem sabe das coisas na Esplanada:

1. Governo que não tem discurso fica sempre na defensiva: Debate político é igual futebol. Quem não faz gol, leva. E quem não ataca, acaba encurralado dentro do próprio campo. Se o governo não joga um tema de seu interesse na mesa, fica à mercê dos assuntos que a oposição e o baixo clero lançam. Isso vem acontecendo o tempo todo. E o pior é que, com o descontrole da base, o Planalto não tem perdido só o debate. O pessoal do Legislativo, quando fica sem assunto, faz besteira. Só nos últimos dias, o Planalto levou de goleada na PEC paralela, na Loas, na MP 232. Está levando bola nas costas nas comissões. Sem falar nas CPIs que, aqui e ali, a turma inventa.

2. No Congresso, carne aos leões: Os da base querem cargos. E o problema é que esse pessoal é insaciável. Se a relação com o Planalto se fizer única e exclusivamente em cima desse tipo de negociação, vai ser um sangrar sem fim até 2006. Uma parte dos aliados não tem jeito mesmo. Mas, embora poucos acreditem, ainda existe uma fatia do Congresso que gosta de discutir projetos, tratar do mérito das questões, aparecer diante da opinião pública defendendo tal ou qual posição. Cabe ao governo distrair esses setores (alguns deles na oposição), que quando não têm o que fazer criam problemas. Que ração dar a esses leões? Reforma sindical e trabalhista, autonomia do Banco Central, etc. Quanto mais polêmica melhor. Nem que seja para ocupar espaço.

3. A conversa do choque de gestão é faca de dois gumes: A palavrinha mágica de qualquer governo é a gestão. Quem faz, acontece, realiza, inaugura, cumpre ¿ e sabe mostrar isso ¿ já tem discurso pronto. Mas quem passa cinco meses às voltas com uma reforma ministerial que ameaça mudar mas não muda, acaba paralisando o governo. No mínimo, encobre aquilo que vem sendo feito pelas brumas da insegurança que reina em cada canto do serviço público. Chega-se ao fim da novela com um discurso de ¿choque de gestão¿ na Previdência e na Saúde. Pode ser um caminho, mas arriscado: tem que fazer e mostrar. Passados três, quatro meses, se não houver essa percepção por parte da opinião pública, o discurso se dissolve e o choque vira agenda negativa.

4. A oposição já encontrou seu caminho: Bater na economia não adianta porque a linha é de continuidade. A tecla da corrupção também não rendeu muito. O Bolsa Família começa a corrigir suas falhas. Por muito tempo perdida, a oposição agora encontrou um discurso: a carga tributária exagerada e os excessos nos gastos públicos. Tudo bem que essa conversa pega da classe média para cima, mas água mole em pedra dura...

5. Agenda a ser evitada de todas as formas: 2006. Ninguém pensa em outra coisa. Mas no debate político é uma pauta que só interessa à oposição. O acirramento dos ânimos entre PT, de um lado, e PSDB e PFL, de outro, terá chegado ao ponto de não retorno. Fora do universo paralelo da política, porém, o povo não está muito interessado: quer o governo governando. Se cair nessa conversa, Lula só tem a perder.