Título: O DIA SEGUINTE À CALAMIDADE CARIOCA
Autor: LUIZ ANTONIO SANTINI
Fonte: O Globo, 21/03/2005, Opinião, p. 7

A decretação do estado de calamidade pública da rede hospitalar do município restaura provisoriamente a ordem no setor saúde, cuja desordem é reconhecida pelo próprio ato. Porém é preciso, ao mesmo tempo em que se providenciam as medidas essenciais de reativação destas unidades, elaborar um plano consistente para o dia seguinte, ou seja, a retomada da normalidade institucional para o funcionamento regular da atenção à saúde da população do Rio de Janeiro.Para isto é preciso compreender mais profundamente a origem e os motivos desta crise atual.

A rede hospitalar do município do Rio é constituída de unidades públicas ligadas aos três níveis de governo, com histórias, culturas, modelos de gestão e vocações diferentes. As unidades ligadas ao estado e município são, em maioria, voltadas para o atendimento de emergência enquanto nos hospitais federais, predominam o atendimento a especialidades, com estruturas tecnológicas mais complexas.

Enquanto o gerenciamento dos recursos das unidades estaduais e municipais sempre foi centralizado nas respectivas secretarias, as unidades federais possuíam autonomia orçamentária e financeira para os seus diretores. O gerenciamento, por exemplo, dos contratos como de manutenção de equipamentos, contratação de serviços e compras, era feito diretamente pelas unidades.

Estes aspectos não foram levados em conta no processo da municipalização das unidades federais. Foi feita uma transferência mecânica da responsabilidade da gestão das unidades para o município.Também não foram equacionados de forma adequada os recursos necessários para a atualização tecnológica, a substituição dos recursos humanos decorrentes de aposentadorias ou demissões de servidores.

Mais grave ainda, não foi desenvolvido nenhum plano para a inserção destas unidades numa rede regionalizada e hierarquizada, desenhando para cada uma o perfil mais adequado tendo em vista a demanda, mas respeitando também suas histórias, vocações e recursos técnicos. É preciso, portanto, identificar na situação atual uma oportunidade de realizar este indispensável planejamento, sem o qual, passada a emergência, retornar-se-á ao caos anterior.

Para tanto é preciso mais que tudo modificar as prioridades do município do Rio de Janeiro quanto à organização da atenção à saúde da população. É fundamental reorganizar o modelo de atenção, dando prioridade à rede básica e implantando o programa de saúde da família e mais uma série de medidas visando a intensificar as ações de promoção e prevenção da saúde.

O hospital moderno é uma instituição desafiada a combinar as necessidades e exigências de atendimento aos pacientes, com uma enorme variedade de tecnologias (equipamentos, medicamentos e serviços) e com a limitação de recursos. Além do tratamento aos pacientes, um hospital gera informações para tomada de decisões no campo da saúde publica, forma recursos humanos, exige constante aperfeiçoamento de seu corpo técnico permanente.Tudo isto regido por rigorosos princípios éticos e humanísticos. É, portanto uma instituição hipercomplexa, cujos problemas de gestão não podem ser reduzidos à idéia de que tudo depende da esfera de governo em que está inserido. Assim é que, desde já, deve-se começar a construir um plano de reestruturação desta rede, em bases mais racionais.

É necessário desenvolver um novo modelo de gestão, baseado na contratualização de metas e resultados entre gestores e direção das unidades hospitalares, de acordo com as prioridades sanitárias e o perfil da unidade. Atribuir aos diretores das unidades maior autonomia e responsabilidade no gerenciamento dos recursos, dotando-os de conhecimentos e ferramentas adequadas. Redefinir o perfil das unidades de acordo com sua inserção local ou regional. Implementar novos métodos de gerenciamento de recursos humanos, e finalmente definir uma estrutura mais adequada para a coordenação das atividades desta rede.

Já há conhecimento e experiências inovadoras no Brasil e fora, que permitem enfrentar este desafio.