Título: LIBERAÇÃO DO JOGO MOVIMENTA LOBBY E GOVERNO
Autor: Bernardo de LA Peña
Fonte: O Globo, 21/03/2005, O País, p. 10

Governo é contra projeto, defendido por Gtech, multinacional envolvida no caso Waldomiro Diniz

BRASÍLIA. Pronto para ser votado pelo plenário da Câmara dos Deputados em regime de urgência, o projeto de lei que possibilita a liberação dos bingos e dos demais jogos de azar, incluindo o do bicho, abriu uma batalha nos bastidores do governo e do Congresso. Pelas estimativas da Caixa Econômica e da Receita Federal, está em disputa um mercado de R$6,5 bilhões por ano, levando-se em consideração apenas os bingos convencionais e eletrônicos.

No Planalto, os articuladores políticos do governo dizem que há disposição para trabalhar pela retirada do projeto da pauta da Câmara e que a orientação para a base governista é de voto contra. O debate do assunto, entretanto, traz de volta um fantasma para o governo: o escândalo Waldomiro Diniz, ex-assessor do Planalto demitido depois de flagrado negociando suborno com um bicheiro. A GTech, multinacional americana que opera as loterias da Caixa e negociou com o ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil a renovação de seu contrato, é uma das principais interessadas no projeto.

Os líderes do governo já fizeram discursos contra a proposta, mas nos bastidores a Associação Brasileira das Loterias Estaduais (Able) trabalha pela sua aprovação e espera que ela seja votada depois da Semana Santa. O projeto do senador Maguito Vilela (PMDB-GO) concede à União, aos estados e ao Distrito Federal o poder de autorizar e até de transferir para empresas privadas a exploração de loterias e jogos.

O presidente da Able, Roberto Rabello, diz que não há resistência do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), ao projeto.

¿ Já conversamos com Pedro Corrêa e outras pessoas amigas. Elas já conversaram com o presidente Severino e ele não tem nada contra o projeto ou o jogo ¿ afirma Rabello, que é presidente da Loteria do Estado da Paraíba, o mesmo estado do relator do projeto na Comissão de Constituição Justiça, Inaldo Leitão (PL).

Loterias estaduais são clientes em potencial

As loterias estaduais são as principais clientes em potencial da GTech. A multinacional, que já tem Minas e Santa Catarina entre seus fregueses, já apresentou às loterias estaduais, num encontro em São Paulo, produtos que poderiam ser usados pelas loterias, como o Pimba, uma modalidade de loteria eletrônica on-line com sorteios a cada cinco minutos. Na semana passada, a GTech também reuniu sua diretoria no Brasil para discutir a situação legal dos jogos.

O interesse da empresa pode ser explicado pela mudança no sistema de gestão das loterias da Caixa, um negócio que movimenta outros R$4 bilhões. A estatal passa por um processo para operar sozinha suas loterias. A previsão é de que o sistema entre em funcionamento em maio. Com isso, o contrato da GTech estaria com os dias contados. Em maio, deve começar o sistema de transição dos 22 mil terminais da GTech em todo o país. Na quinta-feira, a Caixa concluiu o processo de licitação para a implantação do novo modelo. Segundo a Caixa, com as licitações, será possível economizar R$710 milhões. A GTech não se interessou em participar do processo.

¿ Pela pressão da sociedade, dos órgãos de controle e do Ministério Público, a Caixa adotou medidas concretas para assumir o controle de todo o serviço de loterias, o que é um benefício para o país. Com isso, o contrato entre a Caixa e a GTech tem prazo para ser encerrado. O mercado de eventuais loterias estaduais é uma possibilidade para que a GTech mantenha a sua hegemonia no mercado brasileiro ¿ explica a procuradora da República no Distrito Federal Raquel Branquinho, autora, junto com os procuradores José Alfredo Silva, Gustavo Velloso e Ronaldo Queiroz, de uma ação de improbidade administrativa envolvendo as irregularidades no contrato entre a Caixa e a GTech para operação dos sistemas de loterias on-line entre 1994 e 2002.

Por conta da ação, a GTech é obrigada a depositar em juízo 10% do que recebe mensalmente da Caixa. Além disso, o Ministério Público quer que a empresa devolva aos cofres públicos tudo que já recebeu do governo, fora os custos para operação das loterias.

A procuradora é contra o projeto de lei por acreditar que a exploração pelos estados vai fragmentar o controle estatal das atividades de jogos e que a GTech poderá restabelecer com os estados a mesma estrutura de dependência que tinha com a Caixa.

Para promotor, projeto de lei é inconstitucional

O subprocurador-geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Mauro Renner, presidente do Grupo Nacional de Combate as Organizações Criminosas (GNCOC), que reúne promotores e procuradores de todo o país, informou que o grupo na sua última reunião nos dias 10 e 11, em Vitória, fechou posição contra o projeto.

¿ A licitação (que seria feita pelos estados, pelo previsto no projeto) dá foros de serviço público para que um particular explore a jogatina como monopólio. E o estado ainda vai ter de proteger esse monopólio.

Para o promotor do Ministério Público do Distrito Federal, Rubim Lemos, o projeto é inconstitucional:

¿ É uma lei perigosa que fatalmente vai ser considerada inconstitucional. Essa competência é exclusiva da União.