Título: EM VEZ DA DÍVIDA, EDUCAÇÃO
Autor: Eliane Oliveira e Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 21/03/2005, Economia, p. 17

Governo estuda proposta para destinar o endividamento externo às salas de aulas

Depois de um ano de forte resistência da área econômica, os ministérios da Educação e da Fazenda estão negociando os termos de uma proposta pela qual o Brasil converteria parte de sua dívida externa em investimentos na área de educação.

A idéia, defendida com unhas e dentes pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e pelos ministérios da Educação dos países que compõem o Mercosul, ganhou força depois que a vizinha Argentina conseguiu da Espanha o perdão de uma dívida de 60 milhões de euros, com a condição de que os recursos fossem destinados às salas de aula. Em valores de 2004, a dívida externa pública do Brasil é de US$76,8 bilhões.

Fazenda teme desconfianças

A dificuldade dos países latino-americanos para investir em programas sociais é o principal argumento da Unesco e do ministro Tarso Genro na defesa da proposta. As discussões estão avançadas com a pasta de Antonio Palocci, embora a Fazenda ainda tema que a investida seja vista com desconfiança pelos agentes internacionais. Isso porque o Brasil, finalmente, está sendo considerado um bom pagador e tem recebido como recompensa a queda do risco-país.

A Unesco argumenta que, nas décadas de 80 e 90, o mecanismo de conversão foi utilizado por países como Costa Rica, Colômbia, Equador e Bolívia. Essas nações tiveram parte de sua dívida externa perdoada para investirem em projetos ambientais.

¿ Os recursos existentes para educação na América Latina são insuficientes. No Brasil, por exemplo, há uma dívida histórica com a educação. O país só investe 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB) nessa área, enquanto o ideal seriam 6% ¿ afirma o representante da Unesco no Brasil, Jorge Werthein.

Ele conta que a Unesco já se ofereceu para ser facilitadora nas negociações entre países credores e devedores, assim como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial (Bird). A Unesco também está disposta a monitorar ou ajudar no acompanhamento no uso dos recursos, tendo em vista que existe desconfiança por parte dos credores de que o dinheiro será mesmo aplicado onde deveria.

O Ministério da Educação brasileiro, por exemplo, tem como alvo justamente os recursos de BID e Bird, com os quais o Brasil tem débitos. Em nota encaminhada ao GLOBO, o ministro Tarso Genro defendeu a proposta:

¿A troca da dívida por educação não é um ato único, mas um processo de composição política¿, diz o ministro. ¿Dela deverão ser mais beneficiados os países mais pobres, o que não impede que o Brasil tenha projetos especiais de troca com agências internacionais, para financiamento de projetos a fundo perdido.¿

Para Werthein, o mecanismo pode ser uma alternativa que não existe no âmbito do Fundo Monetário Internacional (FMI). O organismo, que concordou em excluir da meta brasileira de superávit primário (receitas menos despesas, descontados os juros da dívida) recursos para investimentos em infra-estrutura, só admite conversar sobre o assunto se o projeto a ser beneficiado tiver retorno financeiro. A conversão da dívida externa em educação, ciência e tecnologia e cultura, portanto, poderia ficar para trás se dependesse do Fundo.

¿ O que é um erro. Cada nível de escolaridade conquistado significa aumento de produtividade, redução de gastos com saúde. Enfim, é um grande impulsionador do desenvolvimento sustentado ¿ ressalta Werthein.

Ajuste inibiria políticas sociais

Mas nem todos concordam com a inclusão do Brasil entre os países beneficiados pelo novo modelo. É o caso do ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria:

¿ É uma proposta bonita, mas pouco operacional num país como o Brasil. Isso só deve se aplicar aos países que estão sem condições de pagar sua dívida.

Para Mailson, a dívida externa brasileira é de um país que atingiu maturidade nos mercados internacionais de capitais. A visão benemerente da dívida, portanto, só deveria ser levada aos países africanos ou às nações muito pobres da América Latina:

¿ O Brasil deve ser o perdoador e não o perdoado. É um país com solidez de suas instituições e qualidade nos seus fundamentos fiscais.

¿ Isso só deve ser aplicado em países em situação falimentar. Estamos numa das situações mais confortáveis que já tivemos nos últimos anos ¿ reforça o economista Sérgio Werlang, ex-diretor do Banco Central, hoje no Banco Itaú.

O representante da Unesco, no entanto, afirma que os países em desenvolvimento, em especial os da América Latina, encontram-se em uma situação insustentável no que diz respeito ao endividamento interno e externo. A necessidade de fortes ajustes fiscais, continua Werthein, põe esses países em um estado de escassez de recursos públicos para investimentos em políticas sociais.