Título: DESENCANTADOS, SINDICATOS ABANDONAM A CUT
Autor: Fernanda Medeiros
Fonte: O Globo, 21/03/2005, Economia, p. 19

Só no primeiro bimestre do ano, oito entidades pediram desfiliação. Central diz que causa está em demissões e fusões

SÃO PAULO. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), que continua sendo a maior central sindical do país, está perdendo associados na mesma medida em que tenta se aproximar do governo Lula. Desde 2004, 16 sindicatos pediram sua desfiliação, oito deles só nos dois primeiros meses deste ano. Os números não parecem alarmantes, se for considerado o total de filiados, quase 22 milhões. Mas há pessoas, como o presidente do PSTU, José Maria de Almeida, que consideram esse o inicio da derrocada da principal central sindical do país, conhecida pelos anos de lutas e conquistas.

A verdade é que desde sua fundação, há 20 anos, a CUT não sofria tantas baixas. Até 2002, vinha ano após ano ganhando adeptos. E justamente quando a maioria de seus ideais chegou ao tão sonhado alto escalão, viu o feitiço virar contra o feiticeiro. Em dezembro de 2002, a Central acumulava 22,304 milhões trabalhadores filiados. No fim do ano passado, esse número já havia caído para 21.977 milhões. Na Central, ninguém sabia informar se novos trabalhadores filiaram-se nesse período. A versão oficial é de que a queda deve-se somente a demissões, diminuições e fusões de empresas e categorias.

No cargo desde o mês junho de 2003, o próprio presidente da CUT, Luiz Marinho, minimiza as perdas:

¿ A saída deles não significa nada, não me preocupa. Eram sindicatos, na maioria, inadimplentes.

Luiz Marinho, aliás, nega qualquer vinculação, mesmo que ideológica, com o governo:

¿ Filiamos militantes de qualquer partido, não temos nada com o PT, nosso quadro é diversificado. A CUT é uma central sindical sem qualquer interesse que não seja o direito do trabalhador ¿ afirma.

Para Marinho, o que há é um grande complô, espécie de ciúmes de pessoas que não conseguem compreender a importância da CUT nas mudanças do futuro do país. E ele conclui:

¿ As pessoas que nos criticam são contra qualquer tipo de reforma, não entendem que o Brasil não pode ficar parado.

Andes: apoio à reforma da previdência, a gota d¿água

Entre os motivos do descontentamento que levou à saída dos trabalhadores da entidade está o fato de que membros da CUT ocupam cargos ligados ao governo, além de o constante apoio à gestão Lula.

¿ A postura política da CUT não correspondia mais às políticas do nosso sindicato e, por isso, nos desvinculamos ¿ diz a presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), Marina Barbosa Pinto, que comandou a retirada de 66 mil trabalhadores no fim de fevereiro:

¿ O apoio à reforma da previdência foi a gota d'água. Já estávamos cansados de ver a CUT acatar todas as propostas do governo.

Zé Maria, que já foi da executiva nacional da CUT, diz que parte do desencanto vem dessa nova postura da entidade e do fato de o secretário-geral da CUT, João Felício, e do secretário de relações internacionais da Central, João Vaccari Neto, ocuparem cargos no governo. Eles são, respectivamente, membro do Conselho Administrativo do BNDES e do Conselho Administrativo de Itaipu.

¿ É tanta promiscuidade que chega a ser surrealista ¿ diz Zé Maria, para quem sindicalistas, empresários e governo não podem ler na mesma cartilha sob pena de prejudicarem o trabalhador.

O secretário geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, diz que a proximidade com o governo poderia ser mais bem aproveitada pela central:

¿ Eles ajudaram a eleger o presidente e representam a maioria dos funcionários públicos, podiam exigir mais. Nada ganham com essa postura ¿ alfineta Juruna.

Evitando se alongar nas respostas, o presidente da CUT limita-se a dizer que tudo não passa de mentira deslavada. Sua assessoria explica que Vaccari e Felício não ocupam cargos no executivo, são ¿somente representantes da sociedade em órgãos do governo¿.

Para os órfãos da CUT, foi criada no ano passado a Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), uma organização que, em janeiro deste ano, durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, reuniu 1,8 mil dirigentes de 300 sindicatos que se queixavam de não poder mais contar com a Central:

¿ Este ano não estamos filiando ninguém. Nos nossos planos estão apenas manifestações. Vamos começar a partir de 1º de maio.

Na opinião do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, José Lopes Feijó, acusações como as do presidente do PSTU são no mínimo ingratas e precipitadas:

¿ A CUT continua sendo o melhor órgão de representação dos sindicatos. Estamos preparando um dia nacional de lutas para o dia 17.