Título: CREDIBILIDADE ABALADA
Autor: Dafna Linzer
Fonte: O Globo, 21/03/2005, O Mundo, p. 21

EUA teriam mentido a aliados asiáticos sobre vendas de material nuclear da Coréia do Norte

Num esforço para aumentar a pressão sobre a Coréia do Norte, o governo Bush disse a seus aliados asiáticos no início do ano que Pyongyang exportara material nuclear para a Líbia. Esta foi uma nova acusação importante por ter sido a primeira alegação de que os norte-coreanos estavam ajudando na criação de um novo Estado com armas nucleares.

Mas isso não é o que os serviços de inteligência americanos relataram, de acordo com dois funcionários com conhecimento detalhado da transação. A Coréia do Norte, segundo os espiões, forneceu hexafluorido ¿ que pode ser enriquecido para urânio capaz de ser usado como arma ¿ para o Paquistão. Foi este país, um aliado-chave dos EUA e que possui um arsenal nuclear, que vendeu o material para a Líbia. Os EUA não tinham qualquer indício de que a Coréia do Norte sabia disso.

O papel do Paquistão como comprador e o vendedor serviu para encobrir a participação do parceiro de Washington na caçada aos líderes da al-Qaeda, disseram integrantes da inteligência, que preferiram permanecer anônimos. Mais ainda, os negócios entre Coréia do Norte e Paquistão não seriam novidade alguma para os aliados dos EUA, que sabem de tais transações há anos e viam nelas um assunto meramente comercial entre Estados soberanos.

O modo como o governo Bush lidou com o assunto com a intenção de isolar a Coréia do Norte acabou tendo um efeito contrário. Os aliados passaram a suspeitar cada vez mais dos EUA quando passaram a perceber que os relatórios americanos omitiam detalhes essenciais sobre as transações, segundo funcionários do governo americano e diplomatas estrangeiros. A Coréia do Norte respondeu mês passado retirando-se das negociações com seus vizinhos e os EUA. Num esforço para reparar o dano, a secretária de Estado, Condoleezza Rice, está visitando países asiáticos numa tentativa de retomar as negociações.

Os EUA enviaram os relatos sobre a Coréia do Norte para seus aliados no fim de janeiro e no início de fevereiro. Pessoas que tiveram acesso às ações do governo as retrataram como sendo parte das discussões normais com China, Coréia do Sul e Japão antes de uma rodada de negociações sobre o programa nuclear norte-coreano.

Mas, nos últimos dias, dois outros funcionários do governo americano disseram que os relatórios foram rapidamente criados depois que China e Coréia do Sul indicaram que estavam pensando em abandonar as conversações diplomáticas.

Paquistão não é pressionado por EUA

A Casa Branca não quis comentar oficialmente os detalhes em relação ao Paquistão. Uma resposta preparada atribuída a uma alta autoridade diz que o governo americano ¿remeteu aos aliados relatos corretos sobre as atividades relacionadas à proliferação nuclear da Coréia do Norte.¿

Os relatórios culparam a rede ilícita de Abdul Qadeer Khan ¿ cientista que é considerado o pai da bomba atômica paquistanesa e atualmente preso ¿ pela transferência, mas não deram qualquer indicação de que a inteligência americana acredita que o material foi comprado pelo Paquistão e transferido para o país vindo da Coréia do Norte num contêiner de propriedade do próprio governo paquistanês. Também não afirma que o urânio foi depois transportado por uma empresa paquistanesa para Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, e, de lá, para a Líbia. O governo líbio desistiu de seu programa de armas nucleares em dezembro de 2003.

Como o Paquistão se tornou um aliado-chave na caçada à al-Qaeda, o governo dos EUA não cobrou do presidente Pervez Musharraf responsabilidade pelas ações de Khan enquanto ele conduzia as atividades nucleares do governo.

¿ O governo está dando ao Paquistão uma liberdade que ele não merece e prejudicando os interesses americanos ao mesmo tempo ¿ disse Charles Pritchard, enviado especial do governo Bush à Coréia do Norte até agosto de 2003. ¿ No momento em que nossos aliados percebem como a situação realmente é, isso não ajuda a termos credibilidade com eles.