Título: Lula, o coordenador
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 24/03/2005, Panorama Político, p. 2

O que de fato importa ao governo do presidente Lula é melhorar a gestão política. Para isso foi pensada a reforma ministerial, mas o presidente acabou concluindo que ela estava se prestando a outros fins. Na reunião ministerial de ontem ele exibiu clara compreensão de que seu governo está a pé no Congresso e mostrou uma inédita disposição para entrar pessoalmente na liça política.

Ao longo destas semanas de negociação com os partidos para recompor o governo, ficou claro até para os seguranças de Lula que o custo-benefício não compensaria. A cara do governo sairia pior, naquele conjunto de atributos que resumem a ética-estética do poder. Até Fernando Henrique, que não tem razão nem disposição para torcer pelo governo, elogiou a ¿meia-volta, volver¿ de Lula. O que se viu ontem, segundo variados relatos, foi um presidente seguro do que fez, sereno na definição de objetivos e firme nas cobranças aos ministros. E foi particularmente enfático ao exigir que todos participem do esforço político, colaborando com o ministro Aldo Rebelo na Coordenação Política. E cuidando o melhor possível da gestão de suas áreas, naturalmente. Cada ministro será julgado pelo que fizer, avisou. Não só por ele, presidente, mas pela sociedade.

Lula sempre foi estimulado a participar mais diretamente do jogo parlamentar. Nunca teve gosto por isso. Um mero telefonema de aniversário, um convite para um café ou para uma viagem doméstica pode mudar completamente a disposição de um parlamentar. Mais ainda a de um senador, que se julga uma espécie de membro da Câmara dos Lordes, já disse muitas vezes, entre outros, o senador Tião Viana. Fernando Henrique nunca se furtou a gastar parte de seu tempo em tertúlias com parlamentares, ainda que essas conversas não propiciassem qualquer deleite. Faziam parte de seu trabalho, entendia. Lula também parece estar se rendendo a esta necessidade. Parece ter mantido Aldo no cargo, mas disposto não só a fortalecê-lo como também a ser, ele mesmo, o coordenador político em última instância.

E terá que fazer isso mesmo, seja para governar ou para assegurar a reeleição. Apoios e maiorias são como gado, engordam sob o olho do dono.

Ontem mesmo ele esteve com o presidente do PTB, Roberto Jefferson, e com o ministro Mares Guia, do Turismo, acertando os ponteiros com o partido. Na segunda-feira, antes do ultimato de Severino, que lhe deu o impulso para jogar para o alto a tal reforma ampla, Lula teve um encontro de importância capital com o presidente do PMDB, Michel Temer. Há quem concorde, entre seus auxiliares, que esta conversa também lhe deu estímulo para tomar a atitude que tomou em seguida, a de manter o PP fora do Ministério. Não podia de modo algum nomear Ciro Nogueira depois do ultimato, como explicou. Mas pode ter feito isso com mais segurança depois de uma conversa em que vislumbrou a possibilidade de uma recomposição com a ala dissidente do maior partido aliado. E ter o PMDB inteiro em 2006 será um trunfo importantíssimo.

Agora, entretanto, Lula tem problemas agudos na Câmara. Escolheu o líder certo, o deputado Arlindo Chinaglia, um petista aberto ao trabalho em equipe e à realidade da coalizão. Foi ele (seguido de Virgílio Guimarães) o preferido dos aliados para disputar a presidência da Câmara, numa consulta que o PT resolveu depois não levar em consideração. Ontem ele dizia:

¿ Não temos que negar as dificuldades, mas que enfrentá-las. No que depender de mim, vou trabalhar muito e vou trabalhar com todos. Com o ministro Aldo, com todos os líderes aliados, com a oposição quando for possível.

Aldo Rebelo, embora tenha saído com hematomas e escoriações da reforma, possui as condições subjetivas para dar a volta por cima. Desde que Lula lhe propicie as condições objetivas ¿ apoio político e instrumentos operacionais, basicamente. E o PT? Ou se ajusta ou se frustra, diz um auxiliar do presidente.

Agora é ver.

Os bicudos trinam menos

Lula desistiu de reagir às críticas de Fernando Henrique e este também parece estar agora com disposição mais amena em relação ao sucessor. Durante o seminário sobre combate ao terrorismo, ocorrido há cerca de 10 dias em Madrid, jantou com um grupo que incluía o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Jantar e prosa muito agradáveis, contou o ministro a amigos na volta (e a Lula, certamente). Fernando Henrique, conhecido pela avareza, até pagou a conta de oito pessoas. Esta desenvoltura financeira parece decorrer da bonança trazida pelas conferências a US$50 mil.

Não falaram de política, mas em algum momento FH comentou que, para alguns, andou falando demais, estando agora mais contido. Negou também qualquer ambição eleitoral para 2006. Mas assumiu-a claramente no almoço com Aécio Neves há poucos dias, em que o informou, à queima-roupa, de que sendo ele o candidato do PSDB, não disputaria o segundo mandato em 2010. Ou seja, seria o paulista ideal para um mineiro que pretende concorrer lá adiante.

VOLTO a escrever na terça-feira, dia 29. Até lá, Ilimar Franco terá muito o que contar. Boa Páscoa a todos.