Título: A REFORMA QUE NÃO HOUVE
Autor: Cristiane Jungblut e Luiza Damé
Fonte: O Globo, 24/03/2005, O País, p. 3

Costa vira modelo de gestor

Lula cobra trabalho de ministros, pede diálogo com Congresso e compara baixo clero a bagrinhos

O recado foi rápido e direto. Na primeira reunião ministerial após a limitada reforma, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva avisou que as negociações sobre trocas na Esplanada estão encerradas e fez duas cobranças aos novos ministros e aos que sobreviveram aos cortes: que se empenhem para melhorar o diálogo com os parlamentares, que chegou ao ponto crítico neste início de ano, e que trabalhem pela melhoria da gestão, principalmente na área da Previdência. Segundo o porta-voz André Singer, Lula citou como exemplo de boa gestão a intervenção do Ministério da Saúde nos hospitais do Rio, feita pelo até anteontem demissionário Humberto Costa.

A reunião, que durou apenas uma hora, também serviu para apresentar oficialmente os novos ministros Romero Jucá (PMDB-RR), da Previdência, e Paulo Bernardo (PT-PR), do Planejamento.

¿ O presidente enfatizou, em primeiro lugar, que a reforma ministerial é assunto encerrado. Pediu que os ministros se empenhem no diálogo com os parlamentares, com vistas a aproximá-los das ações do governo. E enfatizou que 2005 é um ano decisivo, pois será o ano da colheita do que foi plantado em 2003 e 2004. O presidente pediu que os ministros que acelerem ao máximo seus trabalhos ¿ disse Singer.

Ao falar da intervenção na saúde no Rio, Lula disse, segundo um ministro, que era uma ação administrativa e não política. Argumentou que foi uma rápida "demonstração do que temos condições de fazer e do que estamos fazendo".

¿ O presidente citou, como exemplos de agilidade do governo, as medidas tomadas para enfrentar a seca no Sul do país, bem como a intervenção na área da Saúde, na cidade do Rio ¿ disse Singer.

Lula estabeleceu como prioridades para este ano obras da ferrovia transnordestina, o programa de biodiesel e a transposição do Rio São Francisco e a ênfase na reforma universitária. Disse ainda que é preciso melhorar a gestão na área da Previdência, com a redução do déficit, que deve chegar a R$40 bilhões este ano. Segundo ministros, Lula citou problemas como o aumento dos gastos com auxílio-doença, que teriam subido de R$3 bilhões para 9 bilhões. Argumentou, segundo ministros, que "nenhuma catástrofe" justificaria a oscilação.

Preocupação com rebeldia de Severino

Ao cobrar mais trabalho dos ministros, pediu que gastem todas as suas verbas previstas no Orçamento. Brincou dizendo que qualquer reclamação deveria ser repassada aos ministros Antonio Palocci (Fazenda) e Paulo Bernardo.

Lula também usou parte do discurso para expressar sua preocupação com a rebeldia e o poder de comando do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), sobre o baixo clero. Ele comparou a rebelião do baixo clero ao ¿movimento dos bagrinhos" do PT, que, no início da década de 90, chegaram à cúpula do partido tirando temporariamente espaço dele, do chefe da Casa Civil, José Dirceu, do líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (SP) e do hoje presidente do partido, José Genoino.

¿ Este processo em que o baixo clero passou por cima dos líderes da Câmara já aconteceu no PT. Foi a `revolta dos bagrinhos¿, quando ficamos minoritários. Mas no partido isso durou pouco tempo. Nós voltamos, e mais fortes ¿ lembrou.

Lula assumiu a responsabilidade do PT e do governo na derrota para Severino, mas acha que os governistas podem logo dar a volta por cima. O presidente aposta na volta da normalidade institucional da Câmara e disse não acreditar que Severino tenha o controle total de 300 votos, como alardeia:

¿ Severino tem dito que os 300 deputados que o elegeram o seguirão em qualquer votação. Não é assim que a Câmara funciona. Ela é representada por partidos e bancadas e essa dinâmica vai se restabelecer.

`Eu não sou, eu estou presidente¿

Lula desautorizou qualquer ministro a continuar negociando mudanças no ministério. Dirceu não discursou e ouviu calado o presidente pedir que todos ajudem o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, na retomada da articulação no Congresso. Sem comentar diretamente o ultimato de Severino ao governo, Lula assumiu como sua a decisão de encerrar a reforma e avisou que não abdicará e nem partilhará a responsabilidade de escolher seus auxiliares.

Em solenidade à tarde no Sebrae, o presidente afirmou:

¿ Se todo dirigente político tivesse consciência que ninguém nasce presidente ou ministro... Todos temos de saber que estamos de passagem aqui. Eu não sou presidente, estou presidente. Se todos pensarmos isso, seremos muito mais abertos, mais produtivos na nossa ação, seremos muito mais democráticos ao permitir que essas coisas sejam debatidas para errarmos menos quando fizermos as leis.

Tentando descontrair o ambiente, o presidente disse que agora só aconteceriam a "reforma agrária ou a da gestão na Previdência".

¿ Reforma ministerial é um tema que não está mais na pauta. Se achar que preciso fazer alguma mudança, eu anuncio. Tomei essa decisão porque quem tem o mandato constitucional para fazer isso é o presidente da República. Essa responsabilidade é minha e não abdico nem a divido com ninguém.

Segundo um ministro, Lula rebateu as acusações de paralisia do governo e disse que, quando os ministros são cotados para serem demitidos, devem trabalhar ainda mais. Foi o que fez o ministro da Saúde, Humberto Costa.

¿ Engraçado, nos meus tempos de fábrica, quando a gente sabia que iria ter facão (demissão) na sexta-feira, a gente trabalhava muito mais na semana ¿ disse Lula.

Lula não deixou de afagar os ministros expostos nesse processo, mas não abriu a palavra para ninguém. Na segunda-feira, Aldo Rebelo deverá ter reuniões com os líderes do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e do Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), para discutir a pauta de votações nas duas Casas. O presidente pediu ainda que o ministro da Coordenação Política organize também um encontro seu com os presidentes da Câmara e do Senado e com os líderes da base.

¿ Mas a articulação política é uma tarefa de todo o governo ¿ ressaltou o presidente.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), elogiou Aldo:

¿ Aldo é o melhor quadro do governo, sem desmerecer os demais. Mas o resultado de seu trabalho seria melhor se os demais ministros o ajudassem, especialmente os políticos.

COLABORARAM Adriana Vasconcelos e Lydia Medeiros