Título: `LEÃO FERIDO¿ DESCOBRE 194 ENVOLVIDOS EM FRAUDE
Autor: Rodrigo Rangel
Fonte: O Globo, 24/03/2005, Economia, p. 24

Operação da Receita mostra que esquema inflava restituições. Entre os beneficiados, vários funcionários públicos

BRASÍLIA. A Receita Federal desarticulou ontem um esquema que fraudava declarações do Imposto de Renda e inflava o valor de restituições pagas a dezenas de pessoas físicas, entre elas altos funcionários públicos. Pelo menos 194 pessoas se beneficiaram do esquema em Brasília e em Goiás. Usando declarações retificadoras fraudadas, uma quadrilha contratada por essas pessoas conseguia fazer com que o valor das restituições chegasse a até R$50 mil. O Fisco chegou a pagar R$2,7 milhões entre o fim de 2004 e o início deste ano.

No grupo dos beneficiários, há 52 servidores do Senado, 19 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 11 do Ministério Público da União e 13 policiais civis. As investigações prosseguem. Há suspeita de que o número de pessoas beneficiadas possa ser ainda maior, chegando a 400.

Batizada de ¿Leão Ferido¿, a operação da Receita foi desencadeada no início da manhã de ontem, com base em informações que vinham sendo levantadas desde novembro de 2004 pelo setor de inteligência do órgão. Acompanhados de agentes da Polícia Federal, auditores fiscais apreenderam computadores, documentos e dinheiro em duas casas na periferia de Brasília e num escritório de contabilidade de Itumbiara, interior de Goiás.

Era nesse escritório de Itumbiara, segundo a Receita, que funcionava a central de fraudes. Segundo fontes ligadas à investigação, o responsável pelo esquema seria o bancário aposentado José Godinho Pontes, ex-funcionário do Banco do Brasil.

Ana Maria Chaves Alves e Antônio Nonato da Silva Neto, moradores da cidade-satélite de Santa Maria, no Distrito Federal, seriam os responsáveis por reunir pessoas interessadas na fraude. O serviço então era repassado a Godinho, que se incumbia de apresentar declarações retificadoras em nome dos interessados. A maioria das retificações foi feita no fim do ano passado pela internet. Em muitos casos, foram feitas cinco declarações retificadoras de um mesmo cliente.

O esquema era simples: a quadrilha aumentava o número de dependentes do declarante e deduzia despesas fictícias com saúde e educação. Assim, conseguia elevar consideravelmente o valor das restituições. Os interessados na fraude tinham de pagar uma parte da restituição aos integrantes da quadrilha. A Godinho, por exemplo, o percentual era de 5% do valor total.

¿ O esquema era simplório. Duvidaram da capacidade da Receita, que é preparada para lidar com fraudes infinitamente maiores que essa ¿ disse o superintendente da Receita Federal na região Centro-Oeste, Nilton Tadeu Nogueira.

A seção de inteligência da Receita detectou que quase todas as retificações de IR tinham origem num mesmo computador. A máquina é uma das duas que foram apreendidas no escritório de contabilidade do ex-bancário. Durante a investigação, a Justiça autorizou a quebra do sigilo dos telefones e computadores dos envolvidos.

Nas casas de Ana Maria Chaves e Antônio Nonato, foram encontrados R$43 mil em dinheiro vivo mais cheques que somavam R$9 mil. Foram apreendidas ainda cópias de declarações e uma lista contendo os nomes dos clientes da quadrilha e os valores pagos por eles. Em Itumbiara, os fiscais também acharam receitas médicas em branco, apenas carimbadas, possivelmente para serem usadas nas declarações fraudadas.

MP pode instaurar processos por crime tributário

A Polícia Federal instaurou inquérito ainda ontem para investigar o esquema mais a fundo. Na Receita, os envolvidos serão alvo de ações fiscais e poderão pagar multas de 150% a 225% do valor das restituições fraudadas.

Os nomes dos servidores públicos que contrataram a fraude não foram revelados pela Receita. Estão protegidos pelo sigilo fiscal. O superintendente da Receita, porém, defendeu que os órgãos públicos para os quais eles trabalham apliquem punições administrativas.

¿ Acho que esses órgãos deveriam analisar esse fato com muito critério ¿ defendeu.