Título: CALAMIDADE: SEGUNDO O IBGE, 10% DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA SE PERDEM NAS ESTRADAS
Autor: Bernardo de La Peña e Letícia Lins
Fonte: O Globo, 27/03/2005, O País, p. 4

`Fiz viagem de 16 horas que podia ter durado dez se a rodovia estivesse boa¿

Ministério dos Transportes diz que investimentos vão aumentar este ano

BRASÍLIA e RECIFE. Buracos que obrigam os motoristas a seguir pela contramão, trechos longos sem acostamento, sinalização coberta pelo mato e meninos tapando buracos no asfalto com areia. São cenas comuns nas rodovias federais em Pernambuco que, mesmo dando medo e matando, ainda assim encontram-se em melhor estado do que no mesmo período do ano passado, quando os temporais atípicos de janeiro provocaram grandes estragos.

Segundo motoristas ouvidos pelo GLOBO, as federais mais críticas do estado são as BRs 101/sul, 116, 232, 423 e 104. A Polícia Rodoviária Federal confirma. Na 101/sul, apesar das faixas de mão única, os engarrafamentos são constantes porque há partes tão desgastadas que os carros fazem fila para evitar os buracos. Na BR-232, de Recife a Caruaru, a estrada duplicada parece um tapete. Chegando em São Caetano começam as irregularidades no asfalto, mas a área está em manutenção. De acordo com caminhoneiros, os percursos duram o dobro do previsto naquele trecho.

Na BR-116, que cruza todo o estado, a situação é crítica no sertão do São Francisco, entre o trevo de Ibó e o Rio São Francisco. A Polícia Rodoviária reconhece que a situação é tão precária que está facilitando o aumento no número de assaltos ¿- os carros andam em velocidade muito reduzida ¿ numa área onde atuam quadrilhas de traficantes de maconha. Não há ligação entre Pernambuco e Bahia pela área e o transporte de um lado a outro tem sido feito por balsa, a cerca de 500 quilômetros de Recife. Outro trecho considerado crítico pelos motoristas e pela Polícia Rodoviária Federal é o que fica entre os municípios de São Caetano e Garanhuns, onde é péssimo o estado da BR-423. Um trecho crítico da BR-232, altura do município de São Caetano, está em reparo.

As falhas são observadas até mesmo em perímetros urbanos, como o da BR-101/norte, próximo ao bairro de Iputinga, em Recife, que tem problemas visíveis perto da Cidade Universitária.

¿ Na BR-232, depois de São Caetano, a situação é precária. A gente fura pneu, quebra amortecedor. A despesa aumenta muito e a gente perde tempo. Tem trecho que gasto seis horas para fazer quando deveria ser feito em quatro ¿ diz Jackson Barbosa, enquanto trafega pela BR-101.

CNA: prejuízo de R$2, 7 bi com queda de grãos

Para o motorista gaúcho Carlos Fabiano Oberherr, de Caxias do Sul (RS) ao Nordeste, o pior trecho da viagem foi a BR-116, que liga o Sul ao Nordeste. Ele disse que o pedaço mais precário fica em Minas Gerais, entre Leopoldina e Além Paraíba.

¿ Lá, a BR-116 não tem nada de bom. É buraco para todo lado, está péssima. O acostamento não existe, a sinalização é péssima. Tem que andar muito devagar senão estraga tudo. Fiz uma viagem de 16 horas que poderia ter durado dez se a rodovia estivesse em bom estado ¿ diz Oberherr.

O problema também é econômico. Quase 10% da produção agrícola brasileira, segundo levantamento do IBGE, ficam pelas estradas. São cerca de 7,6 milhões de toneladas de soja, milho, arroz, trigo e feijão desperdiçados. A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) estima em R$2,7 bilhões o prejuízo, a cada safra, com a queda de grãos nas rodovias.

¿ Isso é caminhão que, com a estrada ruim, vai chacoalhando e caem os grãos. É caminhão que vira ou despeja grãos ou ainda produtos que não podem ser carregados e se deterioram. Nos últimos anos, não ocorreram investimentos para atender à expansão da produção brasileira ¿ diz o vice-presidente da CNA, Carlos Sperotto.

Mesmo com o argumento de que os investimentos estão crescendo no orçamento deste ano, o governo admite que os R$4,2 bilhões previstos para 2005 não são suficientes para tudo o que tem de ser feito no setor. O ideal, dizem técnicos do governo, seria um orçamento R$1,5 bilhão maior.

Parceria com o Exército não resolve

Anunciada pelo ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto como uma das grandes inovações de sua gestão, a parceria entre o ministério e o Exército para reformar estradas também não decolou. Dados dos Transportes mostram que em 2003 foram investidos R$30 milhões no convênio. Em 2004, o valor subiu para R$55 milhões e o previsto para este ano é de R$200 milhões.

Em nota, o Exército afirma que a sua participação está longe de ocupar o espaço destinado às empresas do setor da construção civil e absorve apenas 2,5% dos trabalhos de manutenção, recuperação e construção de estradas no Brasil.

O governo argumenta que, com o Orçamento deste ano, os investimentos passaram a ter uma curva ascendente. Mesmo com os cortes, o orçamento do Ministério dos Transportes prevê a aplicação de R$4,2 bilhões, o que deixariam livres R$3,8 bilhões para investimentos.

¿ O país conviveu na década de 90 até um passado recente com um nível muito forte de contração nos investimentos em infra-estrutura. Este fato, associado à idade média elevada das estradas brasileiras, fez com que, pela insuficiência de recursos, não se pudesse executar adequadamente os serviços necessários, o que trouxe como resultado o nível de degradação do patrimônio rodoviário que estamos neste momento ocupados em mudar ¿ afirma o secretário-executivo do ministério, Paulo Sérgio Oliveira Passos.