Título: PELAS RUELAS E BECOS DA CIDADE
Autor: CESAR MAIA
Fonte: O Globo, 27/03/2005, Opinião, p. 7

ORio de Janeiro tem cerca de 90 mil menores em cada faixa de idade. A experiência da prefeitura do Rio mostra que, quando se fala em universalização de um serviço aos menores, este deve alcançar dois terços dos que integram cada uma dessas faixas etárias, ou seja, 60 mil menores. A presença nas ruas centrais dos bairros cariocas de menos de mil menores, que distribuídos em cinco faixas de idade significam 200 menores por idade, sinaliza apenas que, apesar de exceção à regra, é uma questão inadmissível, na qual o poder público e a sociedade podem e devem ter como objetivo a solução completa.

Tão preocupante quanto esta situação é o foco distorcido de tantas autoridades, dos meios de comunicação e de lideranças da sociedade civil no terceiro setor em não cobrar do poder público o foco adequado e as metas que devem ser atingidas. Até porque estas têm solução num prazo maior, mas somente se a ação do poder público for contínua, crescente e sistemática. As lentes das câmeras de televisão só chegam às ruas centrais dos bairros, especialmente as da Zona Sul do Rio. As ruelas e becos das comunidades raramente são alcançadas por elas.

Algumas autoridades acompanham a lógica das câmeras de TV e só conseguem estar onde elas estão. Não têm a menor idéia do que se faz para que estes menores não cheguem às ruas, seja às ruas centrais dos bairros, mais visíveis, seja às ruelas ocultas das comunidades. Onde devem estar os menores quando não estão em suas casas? Nas escolas, é claro! Portanto, é principalmente nas escolas que deveria estar sendo medida a eficácia do poder público. Se tomarmos os 14 anos de idade ¿ ou um pouco mais, levando em conta alguma taxa de repetência ¿ como foco de responsabilidade dos municípios, estes devem ser cobrados e controlados pelo que têm feito no sentido de abrigar os menores em suas escolas e ali mantê-los.

Há duas faixas de idade particularmente relevantes e prioritárias para que se tenha um foco certo e se ofereça aos menores uma linha de inclusão sustentável e de expectativa de mobilidade social. De um lado, a pré-escola, que os pais chamam de jardim-de-infância, e que atinge a faixa etária entre os quatro e os cinco anos.

A pré-escola é fundamental, inclusive para aumentar a chance de escolaridade, na medida em que as crianças de famílias de menor renda são socializadas pela televisão dos adultos, que de um lado inibe o raciocínio abstrato, fundamental na formação da inteligência e, de outro, a comunicação oral, desintegrada pela linguagem descontínua da mesma TV. Uma criança que chega à escola sem passar pela pré-escola tem uma dificuldade enorme de progresso.

A outra faixa etária relevante a merecer toda a atenção é a que atinge até o oitavo ano escolar, nono no caso da prefeitura do Rio, que inaugurou no país o ensino fundamental de nove anos, integrando as antigas classes de alfabetização no primeiro ciclo do primeiro grau. Portanto, estamos falando da sétima e oitava séries na linguagem usual, e alunos de 13 e 14 anos, com uma proporção, embora cada vez menor, de jovens com 15 e 16 anos em função de atrasos em sua vida escolar. A ação, para esta faixa etária, deve visar à redução da evasão escolar e, portanto, a permanência em sala de aula.

Em 1992, a prefeitura do Rio tinha pouco mais de 15 mil crianças na pré-escola. Como deveria oferecer 120 mil vagas ¿ 60 mil por ano ¿ mais de 100 mil crianças ficavam nas comunidades, longe das escolas, das câmeras de TV e do olho de tantas opiniões míopes. Em 2005, a oferta dessas vagas para a pré-escola foi de 100 mil. Nestes dez anos, mais de 80 mil crianças foram incorporadas às escolas municipais. E, como nesta faixa etária ¿ 4 e 5 anos ¿ não há repetência, todos os anos 40 mil crianças a mais, se olharmos para 1992, são integradas às escolas. Mas onde estavam elas, se as pesquisas falam de 100 crianças dessa idade nas ruas? Estavam nas vielas das comunidades, ocultas daqueles que pensam ser a cidade formada apenas pelos corredores centrais dos bairros de classe média mostrados pelas câmeras de televisão.

Em 1992, chegavam à oitava série 22 mil menores. Comparando com os 60 mil ideais, eram 38 mil que ficavam fora das escolas por evasão. Chegamos agora a 50 mil, um acréscimo de quase 30 mil adolescentes e jovens que estariam engrossando o número de desempregados precoces, ou da população de rua ou dos que têm atividades marginais.

Política social para valer é a que universaliza o atendimento. As políticas focalizadas chegam aos poros sociais não atingidos pela universalização, mas só têm sentido se estiverem complementando as primeiras. Isto é o que a prefeitura do Rio tem feito neste decênio.