Título: POBRE PREFEITURA RICA
Autor: Luiz Ernesto Magalhães e Paulo Marqueiro
Fonte: O Globo, 27/03/2005, Rio, p. 14

Cesar diz ter R$1,5 bilhão em caixa mas deixa fornecedores de pires na mão

Um quebra-cabeça cujas peças parecem não se encaixar. De um lado, o prefeito Cesar Maia alega ter R$1,5 bilhão em caixa e bater recordes de arrecadação de impostos. Retrato de uma prefeitura rica. De outro, as dívidas com empresas prestadoras de serviço se acumulam, principalmente na área da saúde. O município fechou 2004 devendo pelo menos R$200 milhões, segundo os últimos dados disponíveis. Em conseqüência, empresas e cooperativas, há meses sem receber, estão cortando funcionários, paralisando obras e ameaçando interromper serviços essenciais como o fornecimento de refeições para toda a rede de hospitais municipais. Retrato de uma cidade na penúria.

Segundo o secretário municipal de Fazenda, Francisco de Almeida e Silva, nunca um início de ano foi tão bom para as contas da prefeitura. Em janeiro deste ano, houve uma arrecadação recorde de R$143 milhões com o Imposto sobre Serviços (ISS). Em fevereiro, os cofres engordaram mais R$530 milhões com a receita de IPTU. E isso depois de bons resultados em 2004. Em comparação com 2003, a arrecadação aumentou 13,4%. Além dos recursos do Tesouro, o município ainda conta com R$1,8 bilhão do Previ-Rio, fundo previdenciário usado para pagar aposentadorias e pensões.

¿ O erro que os amadores em finanças públicas cometem é pensar que estamos no quinto ano do mesmo governo ¿ alegou Cesar Maia por e-mail. ¿ Não é verdade. Estamos no primeiro ano de um segundo governo. Todas essas medidas eu apliquei no governo do estado em 1983 (como secretário de Fazenda de Leonel Brizola). E em 1993 e 2001, quando também fui eleito prefeito. Abri uma poupança fiscal enorme e depois realizei um governo de grandes programas e obras. Com isso produzo duas curvas ascendentes: a fiscal e de avaliação de governo.

Hospitais correm risco de colapso

As 14 empresas que fornecem alimentação para os hospitais da rede municipal (entre os quais os seis sob intervenção) ainda não receberam os pagamentos de julho a dezembro do ano passado. Segundo o advogado Ricardo Feio, que representa o Sindicato das Empresas de Refeições Coletivas, a prefeitura ficou de apresentar em meados deste mês um cronograma de pagamento da dívida de quase R$25 milhões, mas a promessa não foi cumprida. Se o problema não for solucionado até quarta-feira, diz ele, as empresas poderão interromper o fornecimento de 70 mil refeições/dia.

¿ A situação é realmente crítica. Se as empresas interromperem o serviço, os hospitais correm o risco de entrar em colapso ¿ diz o advogado.

A dívida com as empresas de lavanderia está em torno de R$25 milhões, segundo o superintendente do Sindicato das Lavanderias (Sindilav), Gilberto Corrêa. Ele afirma que as oito empresas que prestam serviço para os hospitais do município também não receberam os pagamentos relativos ao segundo semestre de 2004:

¿ Eles pagaram janeiro deste ano, mas a dívida do ano passado permanece. A situação é gravíssima e as empresas já não têm como honrar as obrigações trabalhistas. A situação só não está pior porque algumas empresas estão contraindo empréstimos com aval da prefeitura.

Na área de limpeza, a situação também é crítica. O presidente do Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação (Seac), José de Alencar, ameaça ir à Justiça para cobrar a dívida de R$25 milhões da prefeitura com oito empresas que mantêm cerca de dez mil trabalhadores nos hospitais da rede municipal. O débito, diz ele, também é relativo ao segundo semestre do ano passado:

¿ O caos é completo. Tem empresa que já cortou 200 empregados. E agora nós recebemos um fax da Procuradoria Geral do Município informando que a prefeitura não vai pagar, sem sequer explicar o motivo.

As empresas de vigilância também alegam que não recebem há meses. Segundo o presidente do Sindicato das Empresas de Segurança Privada (Sindesp), Frederico Camara, a dívida chega a R$11 milhões. Ainda de acordo com ele, cerca de 20 empresas, que mantêm dez mil vigilantes em hospitais, repartições públicas municipais e parques, estão há oito meses sem pagamento:

¿ As empresas estão cortando pessoal, porque todas as reservas disponíveis já foram usadas. Há empresas que estão a ponto de quebrar.

Segundo uma auditoria do Tribunal de Contas do Município (TCM), o orçamento de 2004 para a manutenção dos hospitais e postos de saúde acabou em abril. A dívida com fornecedores chegaria a R$240 milhões. O controlador-geral do município, Lino Martins, diz que as contas estão sob análise para confirmar se esses valores estão corretos.

As empresas que fazem a coleta de lixo e operam os aterros sanitários de Jardim Gramacho e Gericinó também estão sofrendo com os atrasos nos pagamentos. Os serviços relativos a dezembro só foram quitados pela prefeitura há duas semanas, quando a dívida chegava a R$10 milhões.

A crise também atinge a área cultural. Os músicos da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), cujos salários são pagos desde 2003 pela prefeitura, e produtores culturais são outros que reclamam. Depois de quase um mês em greve, os músicos receberam os salários de janeiro semana passada. Terça-feira eles vão se apresentar num evento no Canecão, com a presença do ministro da Cultura, Gilberto Gil. Mas, no dia seguinte, discutem se voltam a cruzar os braços, já que não há previsão para quitar os meses de fevereiro e março.

Aílton Franco Júnior, produtor do Festival Internacional de Curtas, realizado em novembro de 2004, diz que a prefeitura ainda lhe deve R$90 mil. Ele diz que, para honrar compromissos, teve que recorrer a empréstimos bancários. O lucro esperado será gasto no pagamento de juros.

¿ A prefeitura é uma das principais incentivadoras da cultura no Rio. Mas trabalhar sem ter certeza de quando se vai receber é desencorajador para qualquer produtor. Concordo que para administrar é preciso fazer caixa. Mas será que precisava deixar de pagar a quem precisa?

O secretário de Fazenda alega desconhecer a existência de fornecedores sem receber há tanto tempo. Ele diz que, ao contrário, nunca a prefeitura gastou tanto nos primeiros meses do ano. Mas afirma existirem explicações para o atraso de pagamentos pelo município:

¿ A prefeitura é impecável quando se trata de prestar contas. Cada caso de suspensão de pagamentos tem uma justificativa. O problema pode ser a não realização do serviço contratado ¿ diz Almeida e Silva.

A penúria também atinge os esportes, numa cidade que promete fazer em 2007 os melhores jogos Pan-Americanos da História. A prefeitura desistiu de patrocinar o X-Games (competição de esportes radicais) e o Mundial de Motovelocidade, no qual deveria investir US$3 milhões. A alegação oficial é de que precisava concentrar esforços para o Pan 2007. Mas a decisão foi tomada em cima da hora, deixando organizadores na mão. Moacyr Gallo, produtor do GP de Motovelocidade, estima um prejuízo de US$1,5 milhão com a desistência.

¿ A infra-estrutura do mundial exige gastos antecipados, como o aluguel de contêineres que serão usados pelas equipes desde o segundo semestre de 2004 ¿ disse Gallo.

Apesar do alegado dinheiro em caixa, a conservação da cidade também deixa a desejar. No projeto Rio Cidade do Leblon, por exemplo, bancos quebrados e jardins malconservados denunciam a falta de manutenção.

Há casos em que nem a população carente escapa da política de contenção de gastos. O presidente da Associação de Moradores do Leblon (AMA-Leblon), João Fontes, diz ter doado dez cestas básicas para a creche comunitária da Cruzada São Sebastião. Segundo ele, a prefeitura atrasou o repasse da ajuda de custo.

¿ De que adianta fazer caixa diante do preço que a cidade tem a pagar? Por onde circulo, vejo obras paradas e ruas esburacadas. Até as podas de árvores no Leblon foram suspensas ¿ lamenta João Fontes.