Título: CRISE NA SAÚDE
Autor: Maria Elisa Alves
Fonte: O Globo, 27/03/2005, Rio, p. 16

Os remédios a longo prazo para os hospitais

Estado vai criar central de regulação de vagas e ministério fará unidades sob intervenção funcionarem em rede

Depois das ações de emergência, como a compra de toneladas de medicamentos, conserto de equipamentos e contratação de pessoal, o Ministério da Saúde vai apostar em outros remédios para tentar recuperar a saúde dos seis hospitais administrados pela prefeitura e que estão sob intervenção há 17 dias. A primeira medida foi a criação de uma equipe de oito pessoas que vai diagnosticar o perfil de cada uma das unidades (Souza Aguiar, Miguel Couto, Andaraí, Ipanema, Lagoa e Cardoso Fontes) e integrá-las, ressuscitando a idéia de que elas funcionem em rede. Se o grupo perceber a falta de leitos de oncologia, por exemplo, poderá transformar um dos hospitais em extensão do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Outra intervenção caberá à Secretaria estadual de Saúde, que organizará uma central de regulação de vagas para hospitais do Rio.

Medida vai evitar peregrinação atrás de vaga

Com a criação da central de regulação, os médicos de cada hospital, quando receberem um paciente e estiverem sem vaga ou com qualquer outro problema que impeça o atendimento, vão poder acionar a equipe, que terá informações sobre os leitos disponíveis no município.

¿ Vai ser o fim daqueles casos em que a ambulância vai de hospital em hospital procurando vaga ¿ diz o coordenador da intervenção, Sérgio Côrtes.

Atualmente, a prefeitura tem uma central que só funciona para duas especialidades: cirurgia cardíaca e leitos psiquiátricos. O estado já mantém dez centrais, com 274 profissionais, atendendo várias especialidades. Na Baixada Fluminense, por exemplo, a central regula os leitos de obstetrícia, ginecologia, pediatria e clínica. Em todos os casos, o estado fornece pessoal e computadores e as prefeituras, a infra-estrutura predial (o imóvel, contas de água, luz). A idéia do secretário estadual de Saúde, Gilson Cantarino, é convidar a Prefeitura do Rio para a co-gestão da central de regulação. Se não der certo, o estado assumirá o papel sozinho.

¿ Com a central de regulação e a definição do perfil de cada hospital, vamos melhorar o atendimento. Se percebermos que um hospital tem serviço de oftalmologia às terças e quinta-feiras e outro às segundas e quartas, podemos juntar tudo num só, otimizando resultados. A idéia é fazer com que funcionem em rede ¿ diz Côrtes.

Especialistas da área de saúde elogiam as medidas, mas dizem que elas são inócuas se não forem tomadas outras providências. Segundo Antônio Ivo de Carvalho, diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fiocruz, o Rio precisa investir na rede básica, uma atribuição da prefeitura:

¿ O Rio tem uma desproporção entre o número de hospitais, que é alto, e o de postos de saúde, que, além de não serem suficientes, resolvem poucos casos. O paciente, quando consegue ser atendido, não tem o problema resolvido. É claro que vai então procurar uma emergência de hospital, que vai continuar sobrecarregada se não houver investimento na atenção básica.

Casos ambulatoriais lotam as emergências

Na última quinta-feira, no Hospital Souza Aguiar, era grande o número de pacientes que aguardavam atendimento após passarem por postos de saúde. Segundo Luís Antônio Santini, coordenador de Ações Estratégicas do Inca, 80% dos casos que chegam às emergências são ambulatoriais.

Cantarino concorda que é preciso investir na atenção básica, mas diz que ¿ apesar de ter sido habilitado como gestor pleno, recebendo mensalmente R$51 milhões do ministério para repassar ao município do Rio ¿ não tem poder para obrigar a prefeitura a aumentar a rede. A Secretaria municipal de Saúde mantém 103 postos de saúde e 57 equipes do Saúde em Família (que abrange 3,3% da população), um projeto apontado como outra solução para desafogar os hospitais.

Na contramão do ministério, de Cantarino e de especialistas, o secretário municipal de Saúde, Ronaldo Cezar Coelho, diz que o atendimento nos postos de saúde não é precário nem o vilão da crise. Segundo ele, os postos são referência no Brasil e seus programas atendem, por exemplo, 300 mil diabéticos.

¿ O que falta é implantar o atendimento a pequenas emergências. Um posto de saúde não consegue atender da torção no pé à crise de asma ¿ diz.

A prefeitura pretende desengavetar um projeto de dois anos atrás e criar 12 postos de atendimento pré-hospitalar. Funcionando 24 horas, eles terão laboratório de análise clínica, sala de imobilização e de pequenas suturas. Na primeira etapa, seriam implantadas sete unidades, ao custo de R$11 milhões, fora despesas de custeio:

¿ Não implantei antes porque o Ministério da Saúde me quebrou. Eu investi recursos nos hospitais federais ¿ diz Ronaldo Cezar.

Em 20 dias será feita nova compra de medicamentos

Sérgio Côrtes visitou ontem o Miguel Couto para uma avaliação após duas semanas de intervenção. O hospital recebeu ontem 26 mil medicamentos, sendo 15 mil para tratamento de doenças hepáticas, seis mil antibióticos e cinco mil frascos de penicilina, que deverão ser suficientes por pelo menos um mês.

Na última semana, foram recuperados dez respiradores e alugados mais quatro, de última geração, para serem usados na UTI e na emergência. Nos próximos 20 dias, segundo Cortes, será feita uma nova compra de medicamentos, que deverão durar de cinco a seis meses. Desde segunda-feira o Miguel Couto funciona com 51 novos funcionários (28 médicos, 17 auxiliares de enfermagem e um fisioterapeuta), contratados temporariamente pelo Ministério da Saúde. Esta semana sairá um edital para novas contratações.