Título: Brasil para exportação
Autor: Aguinaldo Novo
Fonte: O Globo, 27/03/2005, Economia, p. 27

Multinacionais abrem no país fábricas voltadas só para o mercado externo

No último dia 17, executivos da Nestlé, incluindo o presidente, Ivan Zurita, lançaram a pedra fundamental de uma fábrica em Araçatuba (interior de São Paulo), a 24ª da multinacional suíça no país. Mas essa unidade, que começa a operar em meados de 2006, terá uma característica que vai diferenciá-la das demais: toda a produção anual de 22 mil toneladas de leites infantis será exportada para países da América Latina. Nada será vendido no Brasil.

No ano passado, a empresa já havia inaugurado em Araras (SP) uma fábrica para produzir café solúvel. Também tudo que sai da linha de produção é embarcado exclusivamente para o exterior. O café colhido e processado no país é consumido em países como Argentina, Alemanha, Polônia, Trinidad e Tobago, Ucrânia e Azerbaijão. Improvável até pouco tempo atrás, a investida da Nestlé parece revelar uma mudança de postura das multinacionais no país.

Na ABB Brasil, custo menor em até 15%

Estimulados pela estabilidade da economia e pela fixação de um câmbio flutuante, que oscila livre dos humores do governo, os investidores estrangeiros começam a desengavetar projetos antigos que podem transformar o Brasil numa tão sonhada base mundial de exportação de produtos.

¿ O interesse está crescendo. Apesar de problemas de infra-estrutura, o país continua a oferecer vantagens importantes, como custo menor de mão-de-obra e matérias-primas abundantes, que ganham destaque com a estabilidade da economia ¿ afirmou o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.

Outros exemplos nessa direção vêm da Asea Brown Boveri (ABB), de capital sueco e suíço, e do grupo sueco-finlandês Stora Enso, que se associou à brasileira Aracruz no projeto Veracel. Um dos maiores conglomerados do mundo no segmento de energia e automação, a ABB decidiu transferir de Jefferson City, no Missouri (EUA), para Blumenau (SC) uma linha inteira de montagem de transformadores de distribuição de energia.

A transferência exigiu investimentos de R$19 milhões na construção da unidade, que começou a funcionar em janeiro deste ano e até junho de 2006 deve atingir a capacidade total de produção de 240 transformadores por dia.

A produção da fábrica de Blumenau tem destino certo: o próprio mercado americano. A multinacional fez as contas e chegou à conclusão de que, a despeito das deficiências em logística, o produto feito no Brasil ainda chega para o cliente nos EUA com custos de produção entre 10% e 15% menores do que se continuasse a ser montado em Jefferson City. O ganho vem de gastos menores com mão-de-obra e da compra de matérias-primas como aço silício (que oferece menor perda da corrente elétrica) e óleos isolantes, usando o poder de negociação das outras sete fábricas da ABB já instaladas no país junto aos fornecedores.

¿ Junto com China e Índia, o Brasil foi eleito uma das bases de exportação mundial da companhia ¿ disse o gerente-geral da unidade da ABB em Blumenau, Wilson Sanches, acrescentando que as exportações dos transformadores devem gerar receita anual de R$200 milhões.

A ABB Brasil responde hoje por cerca de 3% do faturamento global do grupo, de US$20 bilhões. Mas esse percentual deve aumentar com a decisão de produzir e exportar uma fatia maior, como foi anunciado pela matriz no ano passado. Segundo Sanches, outros projetos já estão em estudo e podem ser anunciados até 2006.

Veracel: divisas de US$500 milhões

Eunápolis, no Sul da Bahia, foi o lugar escolhido pela Aracruz e pela Stora Enso para abrigar o mega-projeto Veracel. Quando ficar inteiramente pronta ¿ o que deve acontecer em setembro ¿ a fábrica terá capacidade para gerar US$500 milhões anuais em divisas com a exportação de 900 mil toneladas de celulose branqueada de eucalipto, além de garantir cerca de dez mil empregos diretos e indiretos. O investimento total é de US$1,25 bilhão.

Insumo básico da celulose, a madeira brasileira tem um custo de produção até 25% menor do que nos países do Hemisfério Norte. Aqui, o eucalipto do reflorestamento leva em média sete anos para atingir o ponto de corte, contra até 50 anos no exterior. Depois de dois anos em construção, a fábrica começará a operar daqui a um mês numa fase de testes que se prolongará até a inauguração oficial, em setembro.

¿ A grande escala de produção que será proporcionada pela fábrica, baseada em recursos florestais sustentáveis, vai assegurar o fornecimento de celulose de alta qualidade e baixo custo ¿ afirmou o gerente-geral financeiro e jurídico da Veracel, Ronaldo Sampaio.