Título: Não há como explicar a falta de esperança¿
Autor: Fernando Duarte
Fonte: O Globo, 27/03/2005, O Mundo, p. 34

Diretora do programa de África da Anti-Slavery International, a italiana Roman Cacchioli participou do relatório sobre escravidão no Níger, até agora a mais concreta evidência das violações de direitos humanos na região do Saara. Ela fala ao GLOBO de sua revolta com a falta de empenho político na questão.

A senhora passou boa parte de 2004 entre Londres e Niamey. Quais são suas impressões sobre o problema da escravidão?

ROMANA CACCHIOLI: Encontrei seres humanos tratados como animais, ou até pior, já que cabras, camelos e vacas são preciosos em países como o Níger. A escravidão não se resume ao trabalho forçado e os indivíduos não têm direito sequer a escolher esposas. Há escravos criados como garanhões.

Os governantes são um obstáculo para o combate ao problema?

CACCHIOLI: Sim, embora seja preciso levar em conta a fragmentação política de seus países. A escravidão acontece em áreas rurais em que o chefe tribal é um poder paralelo. O governo fica contra a parede, pois são esses chefes que dizem à população em quem votar. Ao mesmo tempo, políticos não querem ver seus países envergonhados com uma admissão da escravidão, ainda que varrer o problema debaixo para o tapete seja pior.

Até que ponto a política colonial francesa contribuiu para a escravidão?

CACCHIOLI: Os franceses governaram a região por meio de uma espécie de pacto com chefes tribais. Fortaleceram esse poder.

Por que não há mais denúncias?

CACCHIOLI: Os escravos são intimidados. Quando o governo do Níger cancelou a libertação dos sete mil escravos, o primeiro aviso público foi que qualquer escravo que se viesse a público seria preso. Não há como explicar a falta de esperança dessa gente. Mesmo quem goza de alguma liberdade passa o resto da vida estigmatizado e não raramente precisa pagar tributos a ex-donos ou mesmo a quem escravizou pais e avós. (F.D.)