Título: Eu me acostumei com a idéia de que meu pai era um criminoso¿
Autor: Graça Magalhães-Ruether
Fonte: O Globo, 27/03/2005, O Mundo, p. 35

BERLIM Ele passou seus primeiros anos de vida num inferno. Seu pai, Hans Frank, era o governador-geral de Hitler na Polônia e, com isso, senhor da vida de milhões de judeus. Niklas Frank tem passado sua vida tentando entender como seus pais conseguiram ser tão monstruosos. O pai mandava matar os judeus e a mãe, Maria Brigitte ¿ uma mulher humilde que começou sua carreira como secretária e sonhava em ser rica e poderosa ¿ negociava bens roubados dos prisioneiros. A figura da mãe é o tema central do seu novo livro, ¿Uma mãe alemã¿.

Foi difícil para o senhor contar num livro lembranças tão negativas da própria mãe?

NIKLAS FRANK: Não, porque acho importante contar para a posteridade como foi a época nazista. Meus pais eram criminosos. Meu pai era uma figura importante da máquina da morte e minha mãe não só olhava tudo sem dizer nada como tentava tirar proveito material da tragédia dos judeus.

Quais são suas lembranças da infância na Polônia?

FRANK: Eu não ficava o tempo todo na Polônia. De vez em quando, havia desentendimento entre meus pais e eu vinha com minha mãe para a Alemanha. Mas estive lá muito tempo para não me recordar das cenas brutais. Eu me lembro quando ia de carro com minha mãe, acompanhado de agentes de segurança, para o bazar do gueto, onde ela comprava objetos valiosos a preços insignificantes. Eu sabia porque era tudo quase de graça. Eram bens confiscados dos judeus. E eu via as inúmeras crianças do gueto, que me olhavam com olhos tão tristes. Vi uma mulher lindíssima, e um soldado nazista disse: ¿Amanhã ela estará morta.¿ Era uma integrante da resistência polonesa, que foi enforcada no dia seguinte. Há muitas lembranças marcantes.

Foi difícil conviver com essa realidade depois da guerra?

FRANK: Eu me acostumei. Depois da guerra, o assunto estava diariamente na imprensa. Os jornais publicavam fotos com mares de cadáveres na Polônia. Eu sabia que meu pai tinha sido o representante de Hitler na Polônia e por isso era responsável por aquelas mortes. Depois veio o julgamento de Nuremberg, que começou em setembro de 1945. Eu me acostumei com a idéia de que meu pai era um criminoso.

Seu pai foi condenado e executado em 1946. Foi difícil para o senhor?

FRANK: Não, porque eu já esperava. Nem chorei quando soube que havia morrido. Meus quatro irmãos choraram, mas eu não. Ele fora condenado à morte e sabíamos que a execução ocorreria em breve.

Como foram os últimos anos de sua mãe? Ela mostrou arrependimento?

FRANK: Não. Nunca. Ela nem falava sobre o assunto. Eu vivia num internato e só via minha mãe nas férias. Ela morreu quando eu tinha 20 anos. Acho que nunca avaliou direito sua própria culpa.

Outros filhos de nazistas, como Martin Bormann, que era padre, criticam os crimes, mas falam assim mesmo com carinho dos pais.

FRANK: Bormann tem mesmo essa postura de dizer que o pai fez coisas bárbaras, mas assim mesmo foi um pai carinhoso. É uma ânsia por harmonia. Acho isso errado. (G.M.R.)