Título: Sob ameaça do anti-semitismo
Autor: Graça Magalhães-Ruether
Fonte: O Globo, 27/03/2005, O Mundo, p. 35

BERLIM. Os pais de Albert Meyer, líder da comunidade judaica de Berlim, viveram anos escondidos em Potsdam, perto de Berlim, depois de sofrerem todo tipo de perseguição. Meyer nasceu em 1947. A chegada dos soviéticos, em maio de 1945, libertou sua família. Ele conta como é viver no país que mandou assassinar milhões de judeus.

Como o senhor vê o renascimento do anti-semitismo, sobretudo no leste da Alemanha, 60 anos depois do fim da guerra?

ALBERT MEYER: Vejo com preocupação, mas não acredito que os neonazistas consigam chegar ao poder. Fico, porém, apreensivo quando vejo discussões como a atual em Berlim, sobre pôr em pé de igualdade as vítimas alemãs dos soviéticos com as milhões de vítimas dos nazistas, como parte das comemorações do dia 8 de maio.

Como seu pai passou a época da ditadura?

MEYER: Escondido num lugar pequeno, perto de Potsdam, depois de sofrer todo tipo de perseguição. No esconderijo, aprendeu um pouco de russo. Quando os russos chegaram, pôde dizer em russo que era judeu, vítima. Naquela época estava muito magro, quase só tinha pele e ossos. Depois da guerra, meus pais resolveram ficar na Alemanha. Meu pai era advogado e havia uma demanda enorme de advogados que não tinham envolvimento com os nazistas.

Muitos judeus de Berlim sobreviveram?

MEYER: Poucos, 800 pessoas. Muito pouco em comparação aos 57 mil assassinados. Acho que Berlim era, apesar de tudo, uma cidade com tradição liberal e isso ajudou um pouco.

Como vê a polêmica sobre o monumento na via férrea de onde partiam os judeus em trens de carga para os campos de concentração?

MEYER: Acho importante essa forma da recordação. O motivo da polêmica é um plano para a construção de um conjunto de mansões perto do lugar. Mas temos um plano que torna possível as duas coisas. O monumento, uma grande placa com os nomes das vítimas, que ao mesmo tempo separa a via férrea do projeto imobiliário.

Foi difícil crescer num país que mandou exterminar os judeus?

MEYER: Foi de certa forma esquizofrênico crescer num país que via meus pais com tanta inimizade. Foi difícil. Minha irmã, por exemplo, não agüentou e emigrou para os Estados Unidos.

O senhor acha que há de novo anti-semitismo na Alemanha?

MEYER: Durante muito tempo o anti-semitismo e o neonazismo foram ignorados. Eu mesmo subestimei o fenômeno, que é na verdade mais grave do que julgava. Hoje vejo a extrema-direita na Alemanha como uma ameaça a ser combatida. (G.M.R.)