Título: OFENSIVA CONSERVADORA PELA MORAL NOS EUA
Autor: Helena Celestino
Fonte: O Globo, 27/03/2005, O Mundo, p. 36

Cruzada por valores tradicionais defende supercasamento, revisão de lei do aborto e abstinência sexual entre jovens

NOVA YORK. Em tempos de conservadorismo, casar só não basta. É preciso estimular o supercasamento, um pacto matrimonial que só pode terminar em divórcio em casos de adultério ou abuso sexual. Opção prevista em leis de três estados do chamado ¿cinturão da Bíblia¿, o casamento indissolúvel é alvo de campanha de conservadores ansiosos por aproveitar os ventos favoráveis a valores tradicionais e acrescentar esta bandeira à cruzada contra a legalização da união gay.

Impulsionada por este mesmo movimento conservador, a ex-primeira-dama e senadora democrata Hillary Clinton foi uma das primeiras a trair seu passado. Numa reunião de planejamento familiar, disse que se mantinha comprometida com o direito da mulher de optar entre manter ou não a gravidez, mas achava também que toda criança deveria nascer. Parece sutil, mas foi uma senha clara para democratas menos ilustres se alinharem do lado dos defensores da revisão da lei do aborto, na esperança de conquistar votos ao jogar na fogueira conservadora a conquista feminista de 1976.

Verba para campanha de abstinência sexual triplica

Estridentes também são as vozes em defesa e contra a decisão da Casa Branca de ampliar os programas de educação sexual centrados unicamente na abstinência sexual de jovens. Apesar dos cortes generalizados no orçamento do governo para projetos educacionais, a campanha por no sex ganhou US$170 milhões, o triplo das verbas do ano passado. ¿É um escândalo sexual no coração do governo Bush... As melhores pesquisas sugerem que isso vai custar muito mais vidas do que os muito mais comentados escândalos sexuais da administração Clinton¿, denunciou o articulista Nicholas Kristoff no ¿New York Times¿.

Uma pesquisa do Instituto Allan Guttmacher constatou que atualmente 25% dos cursos de educação sexual pregam a abstinência, num brutal aumento da influência religiosa nas escolas, pois em 1998 não passavam de 2% os professores defensores desse comportamento. Com isso, avaliam os pesquisadores, o risco de gravidez entre as meninas americanas tornou-se quatro vezes maior do que entre as alemãs e as possibilidades de aborto são sete vezes maiores do que na Holanda.

O mesmo instituto mostra também a inutilidade da campanha anti-sexo. Uma pesquisa com 1.900 jovens constatou que 88% dos alunos desses cursos foram para a cama com as meninas antes do casamento, e, como não receberam informações sobre contracepção, só 40% usaram preservativo. Nos EUA, 60% dos adolescentes fazem sexo antes dos 18 anos.

¿ É preciso encarar a realidade. A maioria dos adolescentes vai continuar a fazer sexo antes dos 18 e se não forem educados vamos ter de conviver com altas taxas de gravidez na adolescência e de doenças transmitidas sexualmente ¿ alerta Vinny Chulani, diretor da Divisão de Medicina do Adolescente do Centro Médico Regional de Orlando.

Pacto só permite divórcio em situações extremas

A cruzada de valores morais também levou o governador do Arkansas, Mike Huckabee, a convidar cinco mil pessoas para o upgrade do seu casamento ¿ um pacto nupcial de regras rígidas para reafirmar a intenção de ficar casado para sempre. O divórcio nesse pacto só é permitido em situações extremas e mesmo assim depois de o casal passar por aconselhamento psicológico, após uma separação de mais de dois anos.

A cerimônia marcou o início de uma campanha para tornar mais popular esse casamento legalmente indestrutível, já integrado às Constituições de Lousiana, Arkansas e Arizona, mas sem sucesso de público. A Casa Branca não deu apoio, mas destinou US$200 milhões para ¿iniciativas criativas para promover casamentos saudáveis¿.

Empurrado pela ¿direitização¿ do país, o Partido Democrata foi logo entregando os anéis. O novo presidente dos democratas, Howard Dean, tem avisado repetidamente que está na hora de recalibrar a posição do partido sobre aborto. Senadores democratas contra o aborto estão sendo colocados em cargos importantes e já há candidatos a candidatos nas próximas eleições falando abertamente em mudar a lei. Escandalizados, alguns militantes alertam que essa mudança pode afastar os eleitores tradicionais e não trazer o voto conservador.