Título: CRIATIVIDADE
Autor: Jorge Bittar
Fonte: O Globo, 28/03/2005, O Globo, p. 6
No momento em que surgem propostas para elevar o limite de endividamento dos grandes municípios, é preciso deixar claro que a Lei de Responsabilidade Fiscal foi uma conquista que veio para ficar. Graças a ela, o Brasil tem hoje uma cultura de responsabilidade fiscal da qual não pode abrir mão, sob pena de retrocesso com graves conseqüências para toda a sociedade. É importante lembrar que, antes do advento da lei, grande parte das prefeituras, logo no começo do ano, recorria à rede bancária para pegar o Adiantamento da Receita Orçamentária, arcando com grande parcela de juros. Outra prática muito disseminada era a emissão de títulos públicos pelas prefeituras e governos estaduais. No final das contas, em ambos os casos o ônus dessas práticas recaía sobre a população.
Hoje, cinco anos depois da aprovação da lei, a situação das pequenas e médias prefeituras está equilibrada. É claro que existem problemas pontuais em alguns governos estaduais, como os do Rio Grande do Sul e de São Paulo, e em algumas prefeituras, como a de São Paulo. Mas a simples elevação do limite de endividamento das prefeituras de 1,2 vez para 2 vezes a receita corrente líquida de um ano, como está sendo proposto, não é solução para o problema. Não se pode abrir a porteira para, eventualmente, resolver as dificuldades da cidade de São Paulo e, ao mesmo tempo, fazer com que outras prefeituras se sintam estimuladas a se endividar.
É possível resolver o problema apenas com ajustes na Resolução 40 do Senado Federal, sem necessidade de se alterar a Lei de Responsabilidade Fiscal. É factível fazer acertos no limite de endividamento e no prazo estabelecido para o cumprimento das metas, levando-se em consideração o porte das prefeituras. Para cidades com até 50 mil habitantes, por exemplo, poderia ser mantido o limite de 1,2 vez a receita corrente líquida de um ano. A partir daí seria feito um escalonamento em função do tamanho da população. Trabalhando com o fator tempo e com o fator limite de endividamento associado ao tamanho da cidade, é possível readequar o processo sem violar as regras básicas da lei.
Essa é apenas uma idéia. Com criatividade, muitas outras podem surgir. O que não se pode é quebrar a espinha dorsal da Lei de Responsabilidade Fiscal com alterações que a descaracterizem e levem o Brasil a perder um grande instrumento de controle da gestão do Poder Executivo em todos os níveis.
JORGE BITTAR é deputado federal (PT-RJ).