Título: Problemas dos dois lados
Autor: Ediane Merola e Kizzy Bortolo
Fonte: O Globo, 28/03/2005, Rio, p. 9

Posto 24h da prefeitura fecha aos domingos e Hospital Naval tem longas filas

Acrise na rede municipal de saúde, que levou à intervenção do governo federal em seis hospitais, atinge também os postos que têm pronto-socorro e funcionam dia e noite. Ontem, a unidade de Guadalupe, aberta normalmente 24 horas, ficou fechada pelo segundo domingo seguido. Por causa do feriadão, as consultas ambulatoriais também foram suspensas desde quinta-feira. Os problemas não se limitam, porém, à esfera municipal. Enquanto a Marinha inaugura hoje um hospital de campanha no Campo de Santana para desafogar as emergências, parentes de militares reformados reclamam que no Hospital Naval Marcílio Dias, no Lins, idosos são obrigados a madrugar na fila e que às vezes nem assim conseguem senha.

Atendimento foi suspenso, diz cartaz

Em ambos os casos, quem sofre é quem precisa de atendimento. Ontem de manhã, Tatiana de Oliveira saiu de casa, na Fazenda Botafogo, em busca de ajuda para o filho Rafael, de 3 anos, mas encontrou o portão do posto de Guadalupe fechado. O menino estava com febre e dor de cabeça:

¿ Não sei o que fazer. Estou com medo de ir para o posto de Irajá e também estar fechado. É muito ruim depender de serviço público.

O posto de Guadalupe oferece consultas de clínica médica e pediatria. Ontem, no portão da Avenida Brasil, um cartaz escrito à mão avisava que o atendimento era só de pediatria e que o de clínica médica estava suspenso. No acesso lateral, outro cartaz informava que não havia consulta de nenhuma das duas especialidades. Um homem, que chegou com um menino em crise de bronquite, entrou em desespero quando viu o posto fechado:

¿ Ele está em crise e não tenho dinheiro para pegar um ônibus e levá-lo ao Hospital estadual Carlos Chagas. Vou ter que pedir carona ¿ disse o homem, que não quis se identificar.

A dona-de-casa Íris Brandão disse que para conseguir atendimento no posto precisa esperar horas na fila:

¿ Chego às 7h e só saio às 15h. É tudo muito lento.

A demora também ocorre no Hospital Naval Marcílio Dias. A dona-de-casa Maria Zélia de Azevedo conta que seu marido, um suboficial reformado de 72 anos, tem diabetes e problemas de coração. Constantemente, procura atendimento sem sucesso:

¿ A minha revolta é que, depois que ele foi atendido em novembro, nunca mais conseguiu marcar outra consulta. É revoltante ver um idoso sair de casa de madrugada para ficar na fila à espera de atendimento.

Segundo Maria Zélia, quem chega depois das 4h não consegue senha:

¿ Meu marido tentou várias vezes, mas há poucas senhas. Para a área da cardiologia são distribuídas apenas 30. Mas sempre há mais de 80 idosos na fila.

Quem consegue entrar encontra problemas também:

¿ As pias dos banheiros do hospital estão todas quebradas e não tem nem água nos bebedouros para o paciente beber ¿ diz Maria Zélia.

A comerciante Maria Lúcia Souza Almeida levou seu tio, um militar reformado de 75 anos, ao hospital há duas semanas e também teve dificuldade para marcar consultas:

¿ Meu tio está com problema de pressão alta e eu não consigo atendimento para ele há dias. Como eu trabalho muito cedo, não tenho como levá-lo todos os dias de madrugada e ficar horas esperando na fila.

O deputado estadual Paulo Pinheiro, presidente da Comissão de Saúde da Alerj, disse ontem que fará uma vistoria no hospital. De acordo com o comandante Carlos Alberto Macedo, encarregado da Sessão de Comunicação Social do 1º Distrito Naval, não há nenhum registro de dificuldade em relação ao atendimento no Marcílio Dias:

¿ As situações que ocorreram podem ter sido por causa da demanda de pessoas a serem atendidas no dia e na hora em que esses pacientes estavam lá. A emergência está funcionando normalmente, assim como todo o hospital.

Segundo a Secretaria municipal de Saúde, o fechamento do posto de Guadalupe aos domingos é uma medida de urgência, pois a prefeitura está sem recursos para contratar novos profissionais. O órgão alega que teve que investir R$192 milhões nas emergências dos hospitais que eram federais e foram municipalizados, pois o Ministério da Saúde não arcava com o pagamento de pessoal dessas unidades. Segundo a prefeitura, não há previsão para normalizar o atendimento no posto. O ministério, por sua vez, disse que a prefeitura responsabiliza o órgão por todos os problemas na saúde do Rio e que o problema dela é a má gestão.