Título: INVESTIMENTO FAZ-DE-CONTA
Autor: Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 28/03/2005, Economia, p. 17
Corte no Orçamento compromete aplicação em infra-estrutura negociada com o FMI
Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva foi informado na semana passada de uma manobra da equipe econômica que compromete diretamente uma das prioridades de seu governo: os investimentos na área de infra-estrutura. Pressionados pelo aumento dos gastos de custeio e pessoal, os ministérios da Fazenda e do Planejamento resolveram aprofundar o corte nas despesas de investimentos, desvirtuando o propósito original do projeto-piloto de R$2,8 bilhões negociado com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para reforçar o orçamento nessa área.
O Ministério dos Transportes recebeu a maior parte dos recursos do projeto-piloto ¿ cerca de R$2,2 bilhões destinados à recuperação e manutenção das rodovias ¿ mas teve uma parcela de R$1,5 bilhão da dotação original de seu orçamento e todas as emendas parlamentares cortadas pela equipe econômica.
Com isso, vai ficar inviabilizada a continuidade de outras obras prioritárias do governo Lula, que tinham sido incluídas na proposta orçamentária, como a Ferrovia Norte-Sul, a construção de novas estradas e a recuperação dos portos.
Proposta inicial: investir R$ 5,7 bi
Depois dos cortes, sobraram no orçamento do Ministério dos Transportes menos de R$300 milhões para os programas de construção e de duplicação das rodovias brasileiras, para as obras nos portos e para as ferrovias.
A proposta original do Orçamento de 2005, encaminhada pelo governo ao Congresso em agosto do ano passado, previa recursos de R$3,5 bilhões para os Transportes. Com as emendas dos parlamentares, o orçamento passou para R$6,9 bilhões, mas só foram liberados pela equipe econômica R$4,2 bilhões, incluindo os R$2,2 bilhões do projeto-piloto. Ou seja, apenas R$700 milhões além da proposta original.
Ao negociar com o FMI a exclusão de R$2,8 bilhões do cálculo do superávit primário (arrecadação menos despesas correntes, exceto juros e correção monetária), a equipe comandada pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, anunciou que esses recursos seriam acrescidos à previsão inicial de investimentos. Mas não foi o que aconteceu, na prática, depois dos cortes. Parte da dotação foi cancelada e substituída pelo dinheiro do programa negociado com o Fundo, que não tem impacto nas contas públicas e, por isso, não compromete a meta de superávit primário.
Se a promessa original do governo fosse cumprida, portanto, o orçamento dos Transportes para custeio e investimento teria ficado com, no mínimo, R$5,7 bilhões. Esta é a soma dos R$3,5 bilhões da proposta original com os R$2,2 bilhões do projeto-piloto.
Os recursos do projeto-piloto serão gastos no programa de recuperação e manutenção de rodovias, mas todos os demais programas do Ministério dos Transportes ficarão comprometidos com os cortes no Orçamento.
Entre as obras prejudicadas pelos cortes estão a duplicação da BR-060, que liga Brasília a Anápolis; a BR-364, que passa por Mato Grosso, Rondônia e Acre; a duplicação de um trecho da BR-116, no Paraná; e a BR-230 (Transamazônica).
O presidente Lula foi informado das restrições orçamentárias para tocar as obras na área de infra-estrutura e determinou ao novo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, que dê prioridade à área de transportes na execução do Orçamento. Na semana passada, foram realizadas pelo menos duas reuniões no Palácio do Planalto para discutir alternativas que evitem a paralisação das obras prioritárias.
Ajuste vai garantir meta de superávit
No total, a equipe econômica determinou o corte de R$15,9 bilhões nas despesas de custeio e investimento do Orçamento deste ano, sendo R$9 bilhões referentes à primeira. O corte foi justificado pela necessidade de garantir a meta de superávit primário, de R$46,7 bilhões, e pelo aumento das despesas obrigatórias de custeio e de pessoal além do previsto.
Ao optar pelo corte de R$9 bilhões nas despesas com investimentos, a equipe econômica reduziu a previsão de gastos nessa área incluída na proposta do Orçamento, encaminhada ao Congresso em agosto do ano passado, embora a estimativa da receita tenha aumentado em R$5,7 bilhões no decreto de contingenciamento, se comparado com a proposta orçamentária.
Os gastos com investimentos previstos inicialmente pelo governo eram de R$11,5 bilhões. O projeto-piloto assegurou mais R$2,637 bilhões para essa área (o restante vai para programas de eficiência de gestão da máquina pública, por exemplo), o que resulta em R$14,1 bilhões. Mas, com os cortes, apenas R$12,4 bilhões foram liberados.