Título: A IGREJA E O PAPADO NUMA ENCRUZILHADA
Autor:
Fonte: O Globo, 28/03/2005, O Mundo, p. 21
Diante da morte, a vontade de ferro do Papa João Paulo II está lhe dando força para sofrer corajosamente. Mas mesmo o mais determinado dos pontífices não será capaz de impedir o inevitável: a necessidade de a Igreja escolher seu sucessor, um acontecimento que milhões de católicos antecipam com ansiedade e esperança.
Tem sido vigoroso o debate sobre o papado há mais de mil anos e, no momento em que este pontificado se aproxima do fim, não há sinal de cessar-fogo. Católicos podem concordar que o bispo de Roma deve manter o ofício de Papa e exercer sua liderança. Mas, além desse mínimo, discordam sobre o que precisa ser mudado e o que continuar.
A perspectiva de eleger um novo Papa levanta questões cruciais: O que torna um Pontífice bom? O que os papas fazem? Os papados continuarão no próximo milênio?
Em 26 anos como Pontífice, João Paulo II exerceu extraordinária influência sobre acontecimentos do mundo e a Igreja, e teve realizações positivas: desde ajudar a derrubar o comunismo até defender uma ¿cultura da vida¿ que inspira tantos de nós. Mas este tem sido também um pontificado centralizador, autoritário, que tem resistido à necessidade de novos caminhos para lidar com questões de sexo e gênero, e de administração da Igreja. O que a Igreja precisa agora é de um Papa que possa conduzi-la no caminho da renovação e da reforma. Reformar a Igreja, acredito, é um das coisas que bons papas fazem.
O Papa serve como centro vital de comunicação por meio do qual podem ser mantidas linhas para todos os grupos e igrejas que formam a grande Igreja. Sua função duradoura é lembrar, ouvir, ensinar e manter o constante diálogo, enquanto surgem argumentos e diferentes interpretações da revelação de Deus.
A surpreendente realização do Concílio Vaticano II, nos anos 60, ensinou que a Igreja é uma instituição ¿sempre em reforma¿ que precisa se arrepender de pecados passados para avançar. João Paulo II avivou esse ensinamento quando tomou a extraordinária decisão de pedir desculpas públicas: pela condenação de Galileu Galilei, pelo tratamento das mulheres pela Igreja no passado, por afrontas aos judeus.
João Paulo tem defendido os direitos humanos e a cooperação internacional, enquanto busca justiça para as famílias e os pobres. Rejeita a violência e a perda de vidas inocentes seja em pena de morte, guerra, aborto ou eutanásia. Entretanto, para muitos de nós da ala liberal da Igreja, algumas de suas decisões incomodam. Vejo-me divergindo de um pequeno mas significativo percentual de ensinamentos da Igreja: sobre mulheres, sexo, divórcio e homossexualidade. Também culpo o Papa por não realizar mais reformas do Vaticano II para mudar o rumo da Igreja.
O escândalo de abusos sexuais cometidos por padres nos EUA revelou a fraqueza institucional da Igreja americana e a urgente necessidade de mudanças. Boas instituições operam sobre princípios éticos de responsabilidade, separação de poderes, devido processo da lei e exposição pública. Mas a atual Igreja está centralizada demais; bispos, indicados pelo Papa, precisam responder a Roma sobre todos os assuntos. Isto levou a fraqueza, inibição e muito freqüentemente a um esforço ¿ no caso de abuso sexual ¿ para varrer a verdade para debaixo do tapete. Que diferença faria se a Igreja retomasse a antiga prática de eleger bispos, permitindo a padres e pessoas da diocese escolher seus próprios líderes.
As questões de mulheres e sexo são mais complicadas. Argumentos sobre controle da natalidade e atividade homossexual levam a questões sobre como o sexo se relaciona a amor e procriação. Nesse impasse, seria um grande avanço para o novo Papa consultar católicos casados e divorciados, teólogas, homossexuais e padres, freiras e monges celibatários para tentar forjar um consenso sobre esses assuntos. Se um Papa pudesse incentivar acordos, poderia haver mudanças.
Minha lista de reformas incluiria permitir que padres se casem e tornar o celibato religioso opcional. Seria não apenas a coisa certa a fazer, mas também ajudar a resolver a falta de padres. Rever as regras para casamento e divórcio, contracepção e homossexualidade exigiria mais desenvolvimento teológico e tempo. Talvez a reforma mais crucial e difícil seja a ordenação de mulheres.
A Igreja e o papado estão numa encruzilhada. Mas o que quer que aconteça, a necessidade de um Papa à frente da Igreja sobreviverá. Ele é a personificação da fé, uma pessoa de carne e osso que todos podem adorar e celebrar juntos. Enquanto esse laço de amor existir, o papado não vai desaparecer.
SIDNEY CALLAHAN é psicólogo e especialista em teologia moral e ética e escreveu o artigo para o ¿Washington Post¿