Título: SAINDO DO CHEQUE ESPECIAL: FERNANDO HENRIQUE APÓIA FIM DO ACORDO COM FMI
Autor: Flávia Oliveira, Patrícia Eloy e Adauri Antunes B.
Fonte: O Globo, 29/03/2005, Economia, p. 20

Analistas alertam para importância de o governo manter o rigor fiscal

Decisão não surpreendeu economistas nem afetou o mercado financeiro

RIO e SÃO PAULO. A decisão do governo brasileiro de não renovar o acordo que vinha mantendo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) desde 1998 não chegou a surpreender os economistas. A maioria deles esperava a atitude, já que há um ano e meio o país não sacava recursos do Fundo. Embora considerem que o Brasil está pronto para tocar, sozinho, sua política econômica, os especialistas alertam para a importância de o governo manter o rigor fiscal, sob pena de, mais uma vez, ser julgado e punido pelo mercado, como aconteceu nas crises que acabaram levando-o ao FMI.

¿ O Brasil precisa andar com suas próprias pernas e este é o momento de fazer isso. Mas não se deve confundir o fim da auditoria do Fundo com a luz verde para flexibilizar a política fiscal. O que o governo deveria fazer era aumentar a meta de superávit primário para provar que vai manter a consistência de sua política econômica. Afinal, vamos continuar convivendo com a auditoria impiedosa do mercado ¿ diz o economista Carlos Geraldo Langoni, chefe do Centro de Economia Mundial da FGV.

Langoni sugere que o governo repita em 2005 o superávit primário de 4,6% obtido no ano passado, em vez de reduzí-lo para 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) como previsto pela equipe econômica. Para ele, uma iniciativa desse tipo pode resultar numa nova queda expressiva do risco-país em pouco tempo.

BID: decisão facilita acesso a outras linhas de crédito

Diretor para o Brasil no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Rogério Studart, considera o fim do acordo como um sinal de maturidade da política macroeconômica do governo brasileiro. Ele prevê que a decisão vai facilitar o acesso do país às linhas de crédito de outras instituições multilaterais.

¿ O Brasil conquistou a chancela do FMI e já demonstrou não só de que é capaz de cumprir um acordo, mas de ir além das metas ¿ diz.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso concordou com a decisão do governo Lula de não renovar o acordo com o FMI, que ele próprio firmara em 1998, antes da desvalorização do real e pós-crise da Rússia. Mas, disse, é importante manter os fundamentos da economia:

¿ Acordo com o FMI a gente faz quando é necessário. Agora, ao não ter o acordo, o importante é manter aquilo que conta, ou seja, a consciência da necessidade de uma política fiscal estrita, manter os compromissos fundamentais do país. Havendo isso não há porque manter o acordo.

Para o economista Joaquim Eloi Cirne de Toledo, professor da USP, o fim do acordo muda muito pouco para o país:

¿ Não há a necessidade de manter esse pesado ônus já que o Brasil segue, hoje, o receituário do FMI, de política fiscal e monetária restritiva. Mais do que uma imposição do Fundo, é uma postura do governo.

Reinaldo Gonçalves, professor da UFRJ, classifica o acordo como um auxílio-funeral e avalia que a decisão de cancelá-lo chegou com dois anos de atraso:

¿ O Brasil é o maior devedor do FMI nos últimos 20 anos. Foram cerca de US$40 bilhões até 2004, com pagamento de juros em torno de US$5 bilhões. Apesar de o governo continuar enterrando o cadáver da economia sob a elevada carga tributária e juros pesadíssimos, não há mais a necessidade do auxílio-funeral.

Já Virene Roxo Matesco, professora da FGV Management, acredita que, embora não seja necessário, face às recentes turbulências no mercado, renovar o acordo poderia ¿blindar¿ o país contra um eventual choque externo.

No mercado financeiro, o dólar, que chegou a subir 0,44%, fechou com queda de 0,62%, cotado a R$2,723. A maior remuneração oferecida pelos títulos de dez anos do Tesouro dos EUA, que subiu ontem, para 4,64% ao ano, ofuscou os papéis de países emergentes. O Global 40 recuou 0,37%, para 108,10% do valor de face. O risco-Brasil subiu 2,12%, para 482 pontos. A Bovespa caiu 1,66%.