Título: Bola mais baixa
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 30/03/2005, O Globo, p. 2

Numa de suas conversas recentes, o presidente Lula disse entender a vertigem de poder por que passa o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti: a vitória estrondosa traz uma tremenda sensação de onipotência, que a realidade se encarrega de dissipar e relativizar. Severino ontem começou a descer da lua para o campo da política real, onde todo poder está sujeito à dissolução.

Ele pensa em fazer um pronunciamento em cadeia de rádio e televisão em defesa de sua conduta na presidência da Câmara e de algumas medidas que provocaram a ira da cidadania, como o aumento da verba de gabinete. Equivocadamente, entretanto, ele atribui à imprensa e a adversários políticos a difusão de notícias que afetaram sua imagem e a da instituição. Abrindo seu e-mail de deputado, como fazem seus colegas, constataria a força da corrente que vem da opinião pública, aquele segmento da sociedade que, por ser mais bem informado (isso, sim, graças à imprensa), é o primeiro a reagir, ainda que nem sempre corretamente, às atitudes da elite governante.

¿ Em toda minha vida de parlamentar nunca me deparei com tantas e tão iradas mensagens. Uma enchente ¿ diz o líder do PSB, Renato Casagrande.

Ontem Severino defendeu-se, diante dos líderes, das acusações de estar agindo autocraticamente na presidência. Compor a pauta é prerrogativa sua, alegou. Mas concordou em elaborá-la, daqui para a frente, em conjunto com os líderes, reunindo-os toda quarta-feira. O regimento, de fato, atribui ao presidente a tarefa de elaborar a pauta mas acrescenta um ¿ouvido o Colégio de Líderes¿. E até estipula que as decisões no colegiado sejam tomadas por maioria dos presentes. Foi um sinal importante de retomada da normalidade na condução do processo legislativo. Sempre foi assim, deve continuar sendo assim.

Anteontem à noite, como registramos, Severino teve uma reunião reservada com os líderes Rodrigo Maia (PFL) e Alberto Goldman (PSDB), que lhe abriram os olhos sobre os rumos que a situação estava tomando. Tudo indica que fechou-se ali uma aliança. Maia informa que ele assegurou a distribuição de relatorias por rodízio fechado, de forma a evitar que o PT pegue para si as matérias mais importantes. Goldman, sabe-se também, foi muito duro ao adverti-lo, embora com modos suaves, dos riscos da excessiva exposição negativa de sua figura e da própria Casa que preside.

A solução para os problemas internos é uma parte da questão, pois a ira da cidadania está relacionada é com o conteúdo de algumas matérias aprovadas e com a conduta e as práticas parlamentares. Em particular, com o nepotismo e o corporativismo. Resta saber se Severino entendeu isso também. Diz que não quando manda os procuradores preocupados com o nepotismo fiscalizarem sua própria categoria. Mas apesar da tensão de ontem com a votação da MP 232, são promissores os sinais de que a precaução institucional voltou a prevalecer sobre os ímpetos individuais e as disputas.

Dirceu está infeliz

O ministro José Dirceu é queixoso por natureza. Não é a primeira vez que ele diz estar se sentindo desconfortável no governo, alegando ter sido desprestigiado pelo presidente Lula. Agora novamente, dizem amigos, ele está profundamente aborrecido. Talvez como nunca tenha estado desde o início do governo. Afinal, o presidente fez tábua rasa da reforma ministerial que, a seu pedido, Dirceu passou semanas negociando. Da noite para o dia, a pretexto de refugar o ultimato de Severino Cavalcanti, jogou no lixo todos os acordos que havia negociado. Roseana Sarney não virou ministra e João Paulo ficou fora do governo. Na noite da segunda-feira da semana passada, mesmo depois da fala inaceitável de Severino, Lula ainda pensava na reforma mais ampla, desde que o PP ficasse fora. No dia seguinte, deu meia-volta e fez apenas duas mudanças.

E não foi esta a primeira vez que Lula o atropelou, andaria recordando Dirceu. Na composição inicial do Ministério, em dezembro de 2002, negociou o ingresso do PMDB no governo, acertando a entrega de duas pastas. Na hora H, Lula resolveu deixar o partido fora do governo ¿ decisão da qual veio a se penitenciar recentemente junto aos peemedebistas.

Na crise do caso Waldomiro, diria ainda o ministro, Lula o deixou sangrar por inesquecíveis dois meses antes de fazer um gesto público de desagravo e defesa. E observaria, por fim, que enquanto isso Palocci obtém do presidente apoio a todas as suas iniciativas.

Mas quem conhece a relação Lula-Dirceu não se impressiona muito com isso. Crises assim geralmente terminam com o presidente fazendo um gesto, dando-lhe uma missão importante, fazendo-o sentir-se novamente imprescindível. Só Lula deve saber por que é tão ambivalente com Dirceu. Eles têm uma antiga relação de confiança, que é muito mais política do que afetiva. E nela, Lula sempre dosou os poderes de seu maior escudeiro.

DEPOIS das MPs em pauta, a Câmara votará a indicação de um novo ministro do TCU. O PT corre o risco de ver seu indicado, José Pimentel, preterido pelo indicado do PP, Augusto Nardes. Ou pelo peemedebista Osmar Serraglio.