Título: COSTA ADMITE RECUAR SOBRE NORMA PARA ABORTOS
Autor: Rodrigo Rangel
Fonte: O Globo, 30/03/2005, O País, p. 9

Mudanças resguardariam médicos de ações judiciais, mas ministro descarta hipótese de rede pública voltar a exigir BO

BRASÍLIA. O ministro da Saúde, Humberto Costa, admitiu ontem que poderá modificar a nota técnica que autoriza médicos da rede pública a fazerem aborto em vítimas de estupro sem necessidade de apresentação de boletim de ocorrência policial. As mudanças teriam o objetivo de resguardar os médicos de eventuais ações judiciais. O alerta que pode fazer o ministério alterar a norma foi feito há duas semanas pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim. Ele avisou que profissionais de saúde podem ser acionados na Justiça caso façam aborto sem a comprovação de que a gravidez é resultado de estupro.

Testemunhas poderiam confirmar violência sexual

Embora tenha admitido fazer as alterações, Humberto Costa titubeou ao ser indagado sobre que alternativas poderiam ser adotadas com a finalidade de evitar ações. Falou até na possibilidade de os médicos terem de ouvir testemunhas para confirmar se a mulher foi vítima de violência sexual.

¿ A própria jurisprudência aponta algumas alternativas, como inquérito policial, denúncia e (exame de) corpo de delito. Também pode ser a própria convicção do médico. Isso é subjetivo ¿ disse o ministro.

Ontem, Costa foi ao Supremo tratar do assunto com Jobim. Levou documentos que embasaram a nota técnica, argumentou a favor da medida, mas ouviu novamente do presidente da Suprema Corte que o texto, da forma como está, deixa os médicos em posição vulnerável. Ele saiu da audiência dizendo que a observação de Jobim ¿tem lógica¿, mas foi enfático ao dizer que o ministério não voltará atrás.

¿ A hipótese de voltarmos a exigir boletim de ocorrência não está em cogitação.

Costa disse que estudará alternativas com sua assessoria jurídica. Uma das opções é baixar uma recomendação complementar. A nota técnica foi distribuída na semana passada, sob protestos da Igreja e aplausos de feministas. Até então, era obrigatório apresentar BO para realizar aborto na rede pública.

Costa não soube informar se, desde então, já foi realizado algum aborto com base na nota técnica. O ministério teme que, sob a ameaça de serem processados, médicos evitem cumprir a orientação. Mesmo assim, ele descartou a possibilidade de a norma ser suspensa temporariamente, até que seja sanado o hiato jurídico:

¿ Em princípio, não tem possibilidade de suspender.

Assembléia da CNBB vai discutir o assunto

A Igreja condena a norma do governo. Junto com a nova política nacional de planejamento familiar, que ampliará o acesso a métodos contraceptivos, o assunto estará na pauta da assembléia geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que começa no dia 6.

¿ A partir do momento que não é mais necessário o BO para que o médico faça o aborto de uma gravidez de alegada violência sexual, a própria violência sexual fica despenalizada e se torna um ato banal ¿ critica o secretário-geral da CNBB, dom Odilo Scherer.