Título: DOMANDO O LEÃO
Autor: Valderez Caetano, Maria Lima e Isabel Braga
Fonte: O Globo, 30/03/2005, Economia, p. 23

IR sem aumento nem correção

Governo desiste de tentar aprovar MP 232, que elevaria imposto e reajustaria tabela em 10%

Temendo amargar mais uma derrota no Congresso Nacional, o governo orientou ontem os parlamentares da base de apoio a rejeitar integralmente o texto da polêmica medida provisória (MP) 232. Com isso, para escapar do massacre em plenário, pode ter feito sete milhões de assalariados pagarem a conta da falta de base governista na Câmara dos Deputados: a partir de hoje, deve estar suspensa a correção de 10% da tabela do Imposto de Renda (IR). A última cartada para o benefício ser mantido era jogada na noite de ontem pelos maiores partidos de oposição, o PFL e o PSDB, que tentavam aprovar requerimento propondo a votação da MP artigo por artigo.

Às 21h de ontem, a MP ainda não tinha entrado em votação, tampouco o requerimento fora submetido ao plenário. Para convencer o plenário a rejeitar a MP, o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), disse que o Executivo vai enviar ao Congresso, em 15 dias, um projeto de lei com pedido de urgência urgentíssima recompondo a correção da tabela em caráter retroativo.

¿ Ao mesmo tempo em que vamos votar contra a MP, vamos estabelecer 15 dias para construir um entendimento para garantir a correção da tabela. Se não tomássemos essa decisão, a MP seria derrotada mesmo. Quem desencadeou o processo para rejeitar a MP tem que responder pela derrota da correção do IR ¿ disse Chinaglia, em referência à oposição, numa tentativa de dividir o ônus da impopular decisão.

Com o rejeição da MP, o limite de isenção volta ao patamar de R$1.058 (havia passado a R$1.164) e quem ganha entre este valor e R$2.115 volta a pagar 15% de IR (a faixa havia se deslocado de R$1.164 a R$2.327). Já a maior alíquota, de 27,5%, volta a incidir sobre salários a partir de R$2.115 (este piso havia sido elevado para R$2.327,01).

Decisão foi tomada em reunião com base aliada na véspera

A decisão de rejeitar a MP foi tomada na noite de segunda-feira, em reunião no Palácio do Planalto entre líderes da base aliada, os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e do Planejamento, Paulo Bernardo, e o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid. O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, já havia batido o pé e avisado que não tiraria a medida da pauta de votações. Palocci tentou argumentar que o governo havia cedido em vários pontos, mas acabou se rendendo aos taxativos líderes: o governo não tem votos para aprovar nada na Casa.

¿ Ministro Palocci, não perca seu tempo. Não há mudança, não há argumento, não há enfeite que dê palatividade à MP 232. Para a sociedade e para o empresariado, ela virou o demônio, a Geni que personifica o aumento de impostos. Não tem jeito, desista! ¿ disse o líder do PTB na Câmara, José Múcio Monteiro (PE) a Palocci.

Receita agora busca recursos para cobrir R$2,4 bi de perdas

A partir daí, apenas se discutiu a forma de enterrar a MP. A rejeição integral foi a opção, com posterior restauração da correção da tabela por meio de um projeto. Palocci apenas ressaltou ser necessário encontrar recursos para cobrir os R$2,4 bilhões que a Receita perderia com o benefício aos assalariados.

Ontem no Congresso, a oposição e Severino comemoraram a decisão do governo de ajudar a derrotar a medida no plenário.

¿ Não aceito ser culpado pela não correção da tabela do IR. Estou aguardando a mensagem do Executivo para votar em regime de urgência urgentíssima. E não aceitamos que venham embutidos mais impostos. Se vierem, aí vai ser outra luta para derrotar o governo ¿ disse Severino.

¿ O governo foi obrigado a apoiar a oposição. Hoje declaramos morta a MP 232. Amanhã será o enterro. Agora vão mandar um novo projeto com o que quiserem, mas vamos analisar ¿ disse o deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA).

O relator da MP, Carlito Merss (PT-SC), lamentava que críticas injustas tivessem impedido a aprovação da MP.

¿ Quem vai perder são os trabalhadores, enquanto a MP, depois das mudanças, só atingia 200 mil grandes contribuintes. Mas este governo é sério, respeita a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ontem a oposição estava convencida de que o governo, ao rejeitar a MP, tentou transferir para o Congresso a responsabilidade pela não correção da tabela. O presidente da CUT, Luiz Marinho, com quem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia negociado o reajuste da tabela, disse que hoje vai reunir a diretoria da entidade para discutir como pressionar o Congresso pela correção.

¿ A não correção deixa de ser um problema do governo para ser um problema do Congresso ¿ disse ele o sindicalista.