Título: IRRITAÇÃO MÁXIMA
Autor: Ilimar Franco e Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 31/03/2005, O País, p. 3

Dirceu avisa que vai deixar coordenação política e cuidar apenas de gerenciar governo

O chefe da Casa Civil, José Dirceu, ausentou-se da última reunião da coordenação política de governo, comandada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na segunda-feira à noite, e avisou que não participará mais dos trabalhos do grupo, pois vai se dedicar exclusivamente à tarefa de gerente do governo. O ministro não esconde mais sua tristeza, mágoa e decepção, como informou ontem a colunista Tereza Cruvinel, com os desdobramentos da reforma ministerial anunciada semana passada pelo presidente.

Sentindo-se desautorizado por Lula, ele tem desabafado desde então com petistas e aliados e afirmou que desta vez vai lavar as mãos e se retirar de vez da articulação com o Congresso. Ontem de manhã, reclamou, aos brados, da publicação de notícia de que havia participado da reunião de segunda-feira, que tratou da votação da Medida Provisoria 232:

¿ Essa notícia é falsa. Não estava nesta reunião e não participarei mais da articulação política ¿ disse Dirceu, explicando ao interlocutor que só vai cuidar agora das questões administrativas, sem dizer, no entanto, se já informou isso ao presidente.

O ministro das Comunicações, Eunício Oliveira, ouviu desabafo igual:

¿ Estou cansado. Vou deixar a articulação para Aldo. Vou me concentrar nas minhas atribuições na Casa Civil. Fiquei na mão com esta reforma ¿ disse Dirceu, segundo Eunício.

Negociação durou cinco meses

Durante cinco meses, Dirceu negociou as mudanças no primeiro escalão do governo, mas, na manhã de 22 de março, foi surpreendido por Lula, ao ser informado, num encontro na Granja do Torto, que o presidente faria mudanças mínimas e manteria Aldo no ministério da Coordenação Política. Dirceu não deve sair do governo, mas está desestimulado. Seu desânimo pode ser facilmente comprovado pelos amigos que o têm visitado. Alguns se declararam assustados com o fato de ele ter deixado a barba por fazer.

Na terça-feira à noite, o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), numa conversa por telefone, pôde atestar o estado de espírito do ministro:

¿ Estou sendo massacrado. Não é a primeira vez que acontece, mas desta vez é pior. Fui desautorizado ¿- reclamou Dirceu, segundo o senador.

Dirceu também está contrariado porque o presidente resolveu, com Aldo, cuidar diretamente das nomeações para cargos federais de nomes indicados por aliados ¿ tarefa antes controlada pelo chefe da Casa Civil. Logo após a reforma ministerial, o presidente do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Roberto Smith, recebeu uma ligação de Aldo. Falando em nome do presidente, o ministro da Coordenação Política disse que deveria ser nomeado imediatamente o indicado pelo senador José Maranhão (PMDB-PB), Augusto Bezerra, para uma diretoria do banco.

Em encontro com dirigentes do PTB, Lula disse que cuidaria pessoalmente da nomeação de indicações feitas pelo partido, há seis meses, para as diretorias de Furnas, Itaipu, Petroquisa e Caixa Econômica Federal.

Dirceu disse que pensava em sair

Em conversa com o líder do PP, José Janene (PR), quarta-feira retrasada, Dirceu disse que estava pensando em deixar o governo. Na véspera, o dia da reforma ministerial, dissera o mesmo num jantar com amigos.

¿ Vou sair de férias e não sei se volto. Vou esfriar a cabeça e na volta decido o que fazer ¿ disse Dirceu, que foi para uma praia no sul da Bahia passar a Semana Santa.

O ministro se acalmou e, no retorno do feriado, já não falava mais em deixar o governo. No entanto, permaneceu pessimista, principalmente em relação aos rumos do governo, diante da dificuldade de recomposição da base. Sua avaliação é de que, se o presidente não abrir sua agenda para conversar com deputados e senadores, não será fácil reconstruir a maioria governista no Congresso.

Dirceu também manifestou descontentamento com a desenvoltura cada vez maior do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Para mais de um interlocutor, ele criticou a campanha de Palocci pela autonomia do Banco Central, dizendo que isso provocará um desgaste muito grande ao governo. Ele também está indignado com iniciativas do Tesouro Nacional que, invadindo atribuições de coordenação de governo, tem determinado em quais obras os ministérios devem investir os recursos liberados no Orçamento deste ano.

¿ A área econômica está passando dos limites ¿ protestou Dirceu.

Mas Dirceu não se conforma mesmo é com as derrotas sofridas na reforma ministerial. Aldo foi mantido na Coordenação Política à sua revelia e apesar de todo seu esforço para derrubá-lo. Depois de ter se comprometido com a senadora Roseana Sarney (PFL-MA), sua palavra ficou solta ao vento com a decisão do presidente de não nomeá-la para o Ministério. Ele também perdeu a queda-de-braço com Palocci pelo Ministério do Planejamento, com a escolha do deputado Paulo Bernardo (PT-PR), em vez do deputado Jorge Bittar (PT-RJ), o preferido do chefe da Casa Civil.

Mal-estar com dirigentes do PP

Dirceu também ficou mal com os dirigentes do PP, a quem prometera o Ministério das Comunicações. Também não conseguiu que um de seus principais parceiros, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), assumisse a Coordenação Política. Seus aliados dizem que o chefe da Casa Civil sequer contabiliza na sua cota a escolha do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) para a função de líder do governo na Câmara.

Essa não é a primeira vez que Lula desconsidera articulações feitas por Dirceu. Isso já tinha ocorrido em dezembro de 2002, quando o PMDB ficou fora da Esplanada dos Ministérios, depois de o chefe da Casa Civil ter pedido nomes do partido para os ministérios de Minas e Energia e Integração Nacional.

¿ Não é a primeira vez que há um tremor entre Dirceu e o presidente. Mas, desta vez, acredito que foi um terremoto ¿ afirmou um ministro petista.