Título: ANISTIA INTERNACIONAL CONDENA POLÍTICA PARA ÍNDIOS
Autor: Flavio Freire e Paulo Yafusso*
Fonte: O Globo, 31/03/2005, O País, p. 10

Relatório é divulgado no dia em que é confirmada morte da 15ª criança indígena em Mato Grosso do Sul

SÃO PAULO e CAMPO GRANDE. No mesmo dia em que a Anistia Internacional divulgou relatório criticando a política do governo brasileiro para os povos indígenas, foi confirmada ontem em Mato Grosso do Sul a morte da 15ª criança indígena vitimada pela fome e pela desnutrição nas aldeias de Dourados. Alex Portilho Duarte, de 9 meses, foi internado com desnutrição grave em Dourados há mais de 40 dias, só que o quadro clínico dele piorou e há três semanas a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) decidiu continuar o tratamento na Santa Casa na capital de Mato Grosso do Sul. Alex ficou na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em Campo Grande, mas não resistiu e morreu no sábado.

Anistia critica falta de coerência do governo

As más condições de vida dos índios são um dos itens do relatório da Anistia. A organização acusa o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de não ter coerência entre as promessas da campanha eleitoral e o que, de fato, o atual governo fez para resolver os problemas da população indígena. O documento diz que há corrupção na Fundação Nacional do Índio (Funai), mas não relaciona os supostos casos de desvios.

¿ Sem terra, índio algum tem dignidade ¿ analisa Damiam Platt, chefe da equipe responsável por campanhas da Anistia para o Brasil, em entrevista ao GLOBO por telefone, de Londres.

Para ele, ao não definir uma política para o setor, o governo Lula está ¿exacerbando erros e omissões¿ dos governos anteriores. E mais: ¿frustra as altas expectativas criadas a partir do que foi declarado em compromissos eleitorais e em obrigações internacionais¿.

O relatório da Anistia Internacional, de 32 páginas e intitulado ¿Estrangeiros em Nosso Próprio País: Povos Indígenas do Brasil¿, aponta o aumento da violência contra os índios. Em 2003, segundo o documento, foram 23 assassinatos de índios, a maior parte em disputas por terra. No ano anterior, 15 índios teriam sido mortos também em disputas em regiões indígenas.

A Anistia Internacional critica também a demora para a demarcação de terras. Dos 580 territórios indígenas oficialmente reconhecidos no Brasil, 340 foram homologados, enquanto 139 aguardam por identificação, o primeiro estágio do processo. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, declarou que a demarcação plena e as homologações pendentes estariam completas até o fim de 2006.

A Funai é apontada pela Anistia Internacional como um órgão acometido por ¿corrupção, falta de verbas e problemas internos¿. O relatório lembra que, à época da divulgação do documento ¿Compromissos com os Povos Indígenas¿, Lula fez severas críticas à Funai.

O presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, disse ter percebido um ¿viés político¿ no relatório da Anistia Internacional. Segundo ele, a Anistia está atendendo a entidades indigenistas que ¿repetem o mesmo discurso há anos¿. Ele contesta as informações de que a falta de investimentos estaria levando a população indígena à extinção.

¿ Nos últimos 50 anos o número de índios no país passou de entre 100 mil e 120 mil para 430 mil, um aumento médio de 3,5% ao ano ¿ disse ele.

* Especial para O GLOBO