Título: JUDICIÁRIO SERÁ ALVO DE CRÍTICAS NA ONU
Autor: Rodrigo Rangel
Fonte: O Globo, 31/03/2005, O País, p. 10

Comissão de Direitos Humanos discutirá relatório feito após visita ao Brasil

BRASÍLIA. O governo brasileiro vai ouvir na próxima segunda-feira na Suíça, em plena assembléia da Comissão de Direitos Humanos da ONU, um rosário de críticas ao funcionamento do Poder Judiciário no país. O diagnóstico é resultado da visita de 12 dias que o relator especial da ONU para a Independência do Judiciário, Leandro Despouy, fez ao Brasil no ano passado. O argentino concluiu, entre outras coisas, que nos tribunais brasileiros é comum o nepotismo e que a maioria da população não tem acesso à Justiça. Despouy assinalou como grave problema a lentidão do Judiciário.

O secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Sérgio Renault, foi destacado para comentar o relatório durante a sessão da ONU. Ele admite que as constatações do relator são inatacáveis.

¿ Não há exageros ¿ diz.

Renault explicará que boa parte dos problemas já está sendo resolvida com a reforma do Judiciário, aprovada pelo Congresso no fim de 2004. O secretário concorda com o que há de principal no relatório de Despouy, como a prática de nepotismo nos tribunais, a lentidão e a dificuldade de acesso da população à Justiça.

Problema mais grave é a dificuldade de acesso

O relator argentino aponta ainda a escassa participação de mulheres, negros e índios nos cargos mais altos da magistratura e a falta de transparência dos concursos para ingresso no Poder Judiciário e dos critérios para promoção de juízes.

O problema mais grave, ressalta, está no acesso: ¿Grande parte da população, por razões de ordem social, econômica, cultural ou de exclusão, se vê impedida de ter acesso à prestação judicial¿, escreveu Despouy. Ele critica a situação das defensorias públicas, que em alguns estados nem existem.

O relatório destaca que a dificuldade se agrava quando as vítimas são crianças, índios, negros, homossexuais e integrantes de movimentos sociais. O relator cita a existência de atitudes machistas no Judiciário: ¿Um juiz, ao julgar um caso de exploração sexual contra uma adolescente de 14 anos, disse na sentença que ela não era uma novata no sexo e que já tinha idade e atitude para livrar-se do agressor¿.

Visita de relator foi recebida com reservas pelo Judiciário

Despouy visitou o Brasil entre os dias 13 e 25 de outubro do ano passado. Esteve em quatro estados e no Distrito Federal e participou de 60 encontros, em que ouviu 500 pessoas. O anúncio de sua vinda ao país foi recebido com reservas pelo Judiciário. À época, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Maurício Corrêa, classificou a visita como intromissão indevida da ONU na Justiça brasileira.